Desafiada pela Crescer, Inês Calado escreveu um testemunho sobre a alergia da filha Miriam, sobre a indiferença da sociedade perante tal problema grave de saúde que pode ser fatal ao mínimo erro. Um testemunho verdadeiramente emocionante!
Leia aqui o testemunho:
No dia em que a minha filha fez sete meses descobri que ela era alérgica à proteína do leite de vaca. Estávamos a introduzir a papa láctea. Bastaram duas colheres para entrar em anafilaxia e ser reanimada no hospital.
A vida dos pais de uma criança alérgica não é fácil. Houve momentos muito difíceis.
Custou-me a recusa permanente dos infantários… Cheguei a receber uma resposta por escrito após uma “consulta com o departamento jurídico” a dizer que “não tinham meios de receber uma criança com essa condição”, a não ser que eu assinasse um termo de responsabilidade em como eles não tinham culpa de algum acidente que pudesse acontecer… Como pode isto acontecer?!
A família achava-me exagerada. Pesou-me o facto de não ter descoberto antes o problema e a minha filha ter sofrido durante sete meses com vómitos intensos, todos os dias, desde o dia que nasceu… Ela a vomitar no berço do hospital e eu a tentar levantar-me, sem conseguir com o cóccix fraturado, a vê-la a ficar roxa, aos gritos por uma enfermeira que nos acudisse…
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Mas nada custou tanto como me custa hoje. Com três anos, lida mal com a diferença.
Come tudo o que “ela pode” e que “dá para ela” só porque pode. Porque está farta de privações.
Custa-me os olhos molhados dela quando lhe dão algo que estão convictos que ela pode comer, mas afinal não pode.
Custa-me quando não avisam que há bolo na escola, ela cantar os parabéns com todos os meninos, ver todos a comer bolo (que ela não levou, porque ninguém avisou) e engolir o choro até o momento da festa acabar, para depois se desfazer em lágrimas quando se vê sozinha ou, pelo menos, fora dessa sala.
Custa-me horrores que a minha filha se veja pelos olhos dos outros, se ache anormal e me pergunte porquê. Porquê ela? Porquê a alergia? Por que ainda não passou? “Vai passar, mamã?”
Testemunho de Inês Calado, mãe de Miriam, de três anos