Saúde

Devido ao vírus do herpes, em apenas 24 horas, a vida do pequeno Afonso nunca mais foi a mesma

Andreia Costinha de Miranda
publicado há 5 anos
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Um dia como tantos outros foi, na verdade, um dia de mudança na vida da família de Teresa Assunção.

O agregado familiar é composto por esta mãe, pelo marido, Mário, e pelos filhos, António e Afonso.

A 13 de setembro de 2010, dia em que tudo “se virou do avesso”, António tinha dez anos e Afonso dois. «O Afonso acordou com febre. Demos brufen, ben u ron e tentámos perceber a evolução desse estado. Manteve-se assim. À noite o Afonso tinha acabado de jantar e estava a brincar com o mano. O António percebe que algo de estranho se está a passar com o irmão e vem ter connosco com ele de mão dada e o Afonso vem a espumar pela boca, ausente e com movimentos de mastigação… mas caminhava», começa por nos explicar esta mãe.

«A pediatra dele, a 300 quilómetros de distância disse o que poderia estar a acontecer»

«Corremos para o Centro de Saúde mais próximo, que era Odemira (pois somos de São Teotónio) – que era o Centro de Saúde mais perto aberto 24 horas – e mandaram-nos para Beja. Mas antes disso parámos no Centro de Saúde de Aljustrel para que ele fizesse um SOS porque tinha entrado em convulsão novamente. Não sabíamos o que se estava a passar», continua.

Já em Beja, Afonso foi visto por uma pediatra que, segundo os relatos que tinha dos pais e pelo que observava, «disse que eram convulsões febris.» «Ficámos em Serviço de Observação (SO) e ele teve febres muito altas. Entrámos em contacto com a pediatra do Afonso, que tem clínica na Amadora, que estava a 300 quilómetros de distância, e ela colocou a hipótese de um diagnóstico e sugeriu que se fizesse uma punção lombar e só depois desta deveria iniciar a medicação. Disse que o Afonso poderia estar a fazer uma encefalite herpética e telefonou logo para o hospital. Falou com a pediatra de serviço, que lhe disse que ele estava bem e que naquele momento estava a brincar. Mas o Afonso não voltou a brincar sozinho», revela.

«A responsável pelo caso do menino, em Beja, nada fez»

A pediatra de Afonso garantiu que seria importante fazer uma poção lombar, mas antes de tudo, iniciar de imediato a medicação retroviral ou bacteriana – para o caso de ser um vírus ou bactéria – independentemente do resultado da poção lombar. «Apesar da muita insistência da pediatra do Afonso, a responsável pelo caso do menino em Beja nada fez», garante a mãe.

As horas passaram e o estado de saúde de Afonso piorou. «Entrou em mal convulsivo (não conseguia controlar as crises) e entrou em coma. Isto tudo no espaço de cerca de dois dias. Entrou em coma e depois foi feita, tardiamente, a punção lombar, assim como a medicação. A partir daí foi uma correria louca no hospital de Beja para encontrar um hospital com unidade de cuidados intensivos pediátricos que recebesse o Afonso, pois tudo começou a complicar. Entretanto foi transportado de urgência para o Hospital de Santa Maria, em Lisboa, a lutar pela vida. A punção lombar foi feita ainda Beja assim como a medicação, mas já foi feita tardiamente. Se esta tivesse sido feita a horas, aquando da conversa com a pediatra dele, tudo poderia ter sido diferente», realça.

Na chegada a Lisboa os pais já tinham o diagnóstico: encefalite herpética – tal como a pediatra da criança suspeitara. «O vírus do herpes instalou-se no cérebro do Afonso e não foi diagnosticado a tempo», anuncia Teresa.

«O Afonso perdeu tudo! O andar, o falar… até o sorriso!» 

Em Santa Maria lutou pela vida e esteve 15 dias em coma. «Já tínhamos sido informados de que o quadro clínico se tinha agravado. O Afonso perdeu todo o controlo que tinha sobre si. Iniciou fisioterapia no hospital e aos poucos ia recuperando. Pequenos passos, gatinhava, fazia puzzles… ficou hospitalizado mais um mês e meio. Toda esta situação desde Beja deixou-o com lesões cerebrais e uma epilepsia refractaria de difícil controlo. Apesar de tudo, as coisas iam evoluindo bem», desabafa.

Por isso, seguiu para o Centro de Reabilitação de Alcoitão. Mas nesse dia, o inesperado aconteceu. «O vírus reincidiu!» «O meu filho entrou em mal convulsivo novamente e não conseguiam parar as convulsões. Corria risco de vida e desta vez tiveram de lhe induzir o coma». 

Quando foi retirado do estado de coma, «o quadro clínico agravou. O Afonso perdeu tudo! O andar, o falar… até o sorriso!»  

Ficou mais dois meses internado. «Para além de todas as lesões cerebrais, continuou com epilepsia ficando com uma sequela de grande descontrolo motor em que o corpo não parava com movimentos serpenteados. Parecia uma cobra. Para ele dormir, tínhamos de nos deitar em cima dele, porque a cama abanava toda», relata, emocionada.

«Por que é que foi o mano e não fui eu no lugar dele?»

Durante todo este tempo estiveram longe de casa, isto com um filho mais velho, de dez anos. «Foi complicado. Foi o não querer aceitar, foi a revolta, foi a ausência de pai, mãe e mano… foi o “por que é que foi o mano e não fui eu no lugar dele?” Chegou-me a dizer que preferia ter sido ele no lugar do irmão», diz com a voz embargada.

Desde 2010, Afonso tem tido muitas sessões de terapias, em Faro, Lisboa, Almada… e continua a ser seguido em Santa Maria em diversas especialidades (neuropediatria, pneumologia, ortopedia, Hematologia, estomatologia, neuroftalmonologia, cirurgia).

Nos primeiros dois anos esta criança teve sucessivas infeções respiratórias, com vários internamentos. Devido às lesões cerebrais, as crises foram de difícil controlo e «o Afonso chegou a ter mais de cem por dia. Não reagindo aos fármacos foi-lhe colocado um estimulador vagal em 2013. Foi ao bloco operatório para o colocar e as crises ficaram mais controladas, mas nunca as deixou de ter. Hoje em dia tem entre sete a nove crises epiléticas», explica Teresa.

«É muito bem-disposto, um menino cheio de força»

Duas vezes em coma, duas vezes em risco de vida.

«Uma encefalite herpética não diagnosticada a tempo pode causar graves lesões cerebrais, o que foi o caso do Afonso. Ficou com lesões a nível motor, cognitivo e uma epilepsia refractaria, ou seja, não anda, não fala e depende totalmente dos pais, irmão, família e amigos. Desde que tudo aconteceu tem sido uma luta infindável pela recuperação do meu filho», conta.

A ajuda de familiares, amigos e conhecidos tem sido fundamental para esta família que criou a página de Facebook, Afonso – O nosso herói do sorriso, onde partilha eventos e as principais necessidades desta criança. «Graças a todos os eventos, campanhas de solidariedade e também às tampinhas e caricas tem sido possível muitas terapias e adquirir cadeiras de rodas, talas, coletes, entre outros equipamentos que são necessários e custam muito dinheiro. Como o Afonso está a crescer, passados alguns meses deixam de servir e temos de comprar novos, adequados ao seu crescimento e condição física», diz.

Este casal gastam cerca de dois mil euros por mês só com o Afonso…

Mas Teresa salienta: «Ele é um bebé, com um sorriso lindo. É muito bem-disposto, um menino cheio de força. Tem nome de rei».

Todas as terapias que faz, ajudam a que Afonso «ajude a ganhar mais capacidades, a que os músculos não atrofiem, a que os órgãos se mantenham ativos e ajudam à escoliose.» «São as terapias que faz, que tornam possível que o Afonso tenha mais qualidade de vida e sonhar com uma recuperação dentro do possível», diz.

E a família de Afonso tem um sonho. «Para juntar à luta da recuperação do Afonso, estamos a investigar a possibilidade de ir à Tailândia ou Equador onde existem tratamentos de células estaminais, em que alguns casos tiveram muito sucesso. Claro que ainda está em modo sonho, pois o valor monetário para tal é avultado», revela Teresa.

«Não se sabe como o Afonso apanhou este vírus»

A grande questão desta história é: como é que uma criança de perfeita saúde, aos dois anos, do nada, fica tão doente? As respostas são poucas. «Não se sabe como o Afonso apanhou este vírus. Pode ter sido com um beijo, por ter comido do mesmo talher que alguém que tivesse o vírus… Não sabemos!»

E Teresa explica o porquê de terem criado a página de Facebook, Afonso – O nosso herói sorriso. «Para alertar e consciencializar para o vírus do herpes. Não banalizem, tomem as precauções devidas. Quando alguém tem os ditos herpes sejam labiais ou não, protejam-se e protejam os outros».

«Existe uma grande angústia, revolta, dor, um luto que não se faz»

Em conversa com Teresa, nota-se uma grande tristeza na voz desta mãe. «Existe uma grande angústia, revolta, dor, um luto que não se faz. Se o meu filho tem feito logo o que foi pedido, ele podia ter ficado com sequelas, mas se calhar não eram sequelas tão graves. Num curto espaço de tempo tive três Afonsos. Eu amo muito este Afonso, mas tenho muitas saudades dos outros dois. Dói muito!» 

E por isso mesmo, como se olha para o futuro? «Com muito medo, no sentido de… e se um dia falto eu e o pai ao meu filho? Eu não quero deixar esta situação para o meu filho mais velho, o António. O António tem uma relação de muita meiguice, muito afetiva, muito beijinho, abracinho, mas se pudesse fugir, fugia. Foi ele que deu com a situação do irmão. É uma luta diária. Mas o sorriso compensa. Dá-nos força para acreditar no amanhã. Ele é um menino muito bem disposto. O que nos deixa feliz é que o Afonso é feliz», finaliza.

Saiba todas as necessidades e os eventos criados para ajudar o Afonso, aqui.

Recorde a nossa Reportagem Especial sobre um caso idêntico: Quando o vírus do herpes deixa uma bebé saudável com paralisia cerebral

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