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Namoros de escola nos dias de hoje

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publicado há 6 anos
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No outro dia fiz um babysitting de uma menina de oito anos. Passava quase todo o tempo no telemóvel. Perguntei com quem falava. Respondeu muito depressa:

– Com o meu namorado. Quando não o vejo na escola, trocamos mensagens.

Esperando uma inocência na resposta, perguntei:

– E ele é giro?

Cruzou os braços e disse-me:

– Sim. Tem um penteado fixe e veste calças da Gant. Agora não me interrompas, que tenho de ver uns outfits das Kardashian e mandar-lhe uma música da Nicky Minaj.

Passei os olhos pelo meu livro «Prometo Falhar» e ainda como um furacão dentro de mim procurando inocência de criança, voltei a tentar:

– E ficas com borboletas na barriga quando o vês?

Desatou a rir e senti-me minúscula em modo de órbita:

– LOL Sandra!!! Claro que não! O que é isso? A gente fala-se, trocam-se beijos. Ficamos a falar de roupas, de músicas, a jogar jogos nos telemóveis. Quando nos chateamos, eu mudo de namorado e ele de namorada. Já fui a um chá da tarde na casa dele e outro dia falámos que quando tivermos sexo temos de escolher o lugar.

Saltei parágrafos ao diálogo e ainda bem que já eram oito e meia para ela ir dormir.

Quando ela subiu para o quarto, ainda houve tempo para lhe enviar uma selfie com a língua de fora e dizer: «Amo-te muito».

Fiquei sozinha na sala, esperando a mãe dessa menina chegar. E nessa espera, relembrei quando eu tive o meu primeiro namorado de escola. Lembro-me do meu vestido amarelo que usei no primeiro dia de liceu, carregando uma mochila vermelha, maior do que eu.

Tinha o leitor de cassetes comigo, onde eu ouvia as Onda Choc. Ao subir a ladeira do liceu, lembro-me de ouvir um assobio da janela de uma sala de aula. Tirei os auscultadores e olhei… lá estava um rapaz a fazer-me um coração com as mãos. Voltei a pôr os auscultadores, cabisbaixa segui para a sala de aula. No intervalo, sentei-me no banco de cimento com as amigas. Eram sempre as mesmas. Ainda hoje são… restou a verdadeira amizade, por mais distantes que estejamos.

Veio um rapaz ter comigo, com uma folha de papel dobrada em dois e desatou a correr. Ao abrir o bilhete ouvi risinhos no fundo do corredor do rapaz que me entregou o bilhete e do rapaz que me soltou um coração com as mãos, mal entrei na escola. Desviei o olhar. No bilhete dizia: «Queres namorar comigo? Sim (e um quadradinho); Não (e um quadradinho); Talvez (quadradinho)». Por baixo tinha um coração em vermelho. Não me lembro do que escrevi, nem lembro se retribuí o bilhete.

Recordo muitos episódios deste namoro de criança, que fazia bem à alma. Deixava em mim uma inocência tão doce de viver, as borboletas que voavam na barriga de nervoso. Voltei à realidade e continuei a ler o «Prometo falhar». Parei onde dizia: «Éramos tão novos e já amávamos um amor antigo». Outras imagens voltaram desse mesmo tempo.

Sorri no vazio e lembrei-me do dia dos namorados quando ele bateu na porta da sala de aula. Carregava umas asas brancas e tinha uma rosa na mão. Era para mim. Lembro-me de se passarem meses com cartas para lá, cartas para cá. Até nas vezes que terminávamos o namoro, sem namorar, era engraçado. Os nossos presentes eram trocas de chocolates e sabiam-me pela vida. O nervosinho na barriga no domingo, de saber que o ia ver na segunda. Ficar dois dias sem cartas para ler.

Hoje em dia um estado de Facebook equivale a 10 cartas dessas. Amar tornou-se tão fácil e fútil. Ficam as memórias do apaixonar-se pelas cartas com erros ortográficos, mas transbordando de doçura. Apaixonar-se pelo pouco significar muito. O sentir-se importante mesmo sem nada saber sobre o amor. Mas foi nesta inocência deixada numa caixinha forrada com papel de embrulho, que se pendurou uma moldura de parede imaginária perfeita. O que importava era a cor da caneta que ia usar para os meus corações. Dar a hora do intervalo, só para o ver de esquina. Do encontro que era sempre a quatro, para encobrir as borboletas na barriga, em que se falava mais com os amigos do que um com o outro.

Fiquei a saber que nos namoros de escola dos dias de hoje, já não se escrevem em folhas de papel colorido com cheirinho. Que já não se guardam segredos como «o meu primeiro beijo foi com sabor a chocolate e eu só queria fugir, porque não sabia como o fazer», em diários fechados a sete chaves. Fiquei a saber que um emoji substitui qualquer sentimento sem ser preciso adjetivar. Que a companhia virou rotineira, onde os olhos só enamoram um padrão social e os beijos fazem-se pelo Instagram. Que o importante é a roupa que se veste, aquilo que se possui e deixa para lá, que as cicatrizes do amor de hoje saram com outro amor amanhã.

Fechei o livro. Sorri ao vazio e pensei para mim, que ainda bem que sou do tempo da caneta e do papel. Que ainda bem que a minha inocência arrastou o meu crescer até à altura certa. Que ainda bem que tive o prazer de ter um dia, um amor que não precisava de dias especiais para virar prova.

Que vivi com memórias numa caixinha forrada de papel de embrulho, escrevendo em diários, um namoro de escola.

 

 

 

Texto: Sandra Silva (Facebook e Instagram)

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