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«A minha filha estranha os estranhos e eu não acho isso nada estranho»

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publicado há 6 anos
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Nem tão pouco mais ou menos. Até gosto. Porquê? Já vos explico. Primeiro importa contextualizar.

A Leonor não gosta de ser confrontada (e a maior parte de nós também não, certo?) com e por pessoas que não conhece, ou que não reconhece, que é um caso diferente mas igualmente frequente. Não gosta mesmo nada. Chora. Foge. Assusta-se. Chora com mais força. Agarra-se a nós e fica mesmo muito abalada com a presença de pessoas com quem ela não está habituada a conviver numa base diária, pessoas a quem resumidamente vou optar por chamar estranhos! Já eu não acho isso nada estranho, mas como as reacções são as mais variadas, tive de escrever sobre isto.

Como eu estava a dizer, ou melhor, a escrever, ela não gosta desse tipo de ‘encontros’ e por isso, estranha-os. Aos encontros e aos adultos. E aos segundos faz mais coisas. Observa-os. Admira-se e prende-se nos seus olhos. De cara fechada. Determinada. Segura do que não quer. A avaliar. A medir. A testar. A perceber o que quer que seja que ela ache que há para tentar perceber. Está no bom caminho. Se está.

Estás no bom caminho, meu amor. É nos olhos dos outros que encontramos parte do sentido e significado do mundo, minha querida. Continua assim!

Detesta que a agarrem durante mais tempo do que aquele que ela considera efectivamente necessário. Faz isso comigo. Especialmente nos abraços, que entende não deverem ser mais longos do que 2 ou 3 segundos, e já é esticar a corda. Portanto. Se ela faz isto ao pai… porque é que haveria de ser diferente com os outros? Hein? Pois…

A força do carácter está já de tal modo vincada que tem a perfeita noção de quando é que já chega de mel. Pois bem, se é assim com o Pai, imaginem com as outras pessoas. E isto inclui tios, avós, amigos dos pais, pais dos amigos, conhecidos. And so on.

Não gosta. Reage mal. E ainda há tanta gente que, mesmo já tendo tido filhos, não consegue perceber isto e torce o nariz quando a pobre coitada da criança não quer dar abraços, não quer dar beijinhos, não quer que lhe toquem!!!

E isto, senhoras e senhores, isto não se ensina a uma criança de 2 anos. Essa fase vem bem mais lá para a frente.

Por isso, os comentários do género:

– Ai que comichosa.
– Que menina feia. (este mata-me!!)
– Ai que birrenta
– Não larga as saias da mãe ou as pernas do pai.
– Assim não lhe dou a prenda que aqui tenho.

E por aí fora…

Então, vamos lá ver se nos entendemos. Na lógica de muito boa gente, a criança é feia porque:

– se está a defender e a querer manter uma distância de segurança e a inviolabilidade do seu espaço;
– não quer dar beijinhos e abraços a pessoas com quem normalmente não convive;
– foge para as pernas do pai ou da mãe quando a querem forçar a fazer uma coisa que ela não quer;
– não sorri de imediato quando uma pessoa que ela conhece está acompanhada de uma segunda que ela nunca viu e procura agir como se nada fosse;

Estamos portanto perante ideias peregrinas de gente que acha que estes pequenos seres têm de ser e fazer tudo aquilo que nós achamos e queremos que elas façam, mesmo que isso implique o desrespeito total daquilo que é a vontade delas. E ninguém acha que isto sim é que estranho?! Também está bem.

De facto continuo a não perceber a ideia que as pessoas têm do que é ou deve ser a existência de uma criança desta idade.

Eles não são nossos escravos, criados ou bonequinhos amestrados que existem para servir as nossas vontades e que têm de ser cicerones e mestres de cerimónias, prontinhos a aceitar que toda e qualquer pessoa que esteja dentro do circulo familiar ou de amizades dos pais, lhes possa aparecer à frente quando bem entende, invadir o seu espaço e forçá-la a fazer uma coisa que ela não quer. E a sociedade, ou grande parte dela, insiste em não perceber isto e, como resposta, vêm os comentários bacocos que acima já tive a oportunidade de enumerar.

Para as crianças desta idade isso é exactamente o que elas mais odeiam, não percebem e do qual fogem a 7 pés e 20 gritos. Porquê? Porque estão a ser frustradas por pessoas a quem não reconhecem legitimidade para o fazer.

Que os pais o façam, é uma coisa. Elas sabem perfeitamente que, nesta fase da vida, nós somos o tudo e o nada.
O absoluto. Somos nós quem diz se está bem ou mal, o que se faz e o que não se faz. Depois de nós aparece a escola, onde também teve de haver um trabalho que leva já perto de 2 anos, para que ela reconheça nos adultos autoridade, e sobretudo – e isto sim é verdadeiramente importante – confiança e segurança para os seguirem e respeitarem.

Fora deste círculo é preciso que as crianças vos conheçam e reconheçam. Podem tentar contrariar e dizer que não, mas – e porque estudei para poder dizer coisas como esta – é assim mesmo que funciona. Ponto final. Não há sequer espaço para contestação.

Por isso, não esperem que, estando com elas poucas vezes, elas vos ganhem afinidade e respeito, consideração e carinho, só porque sim, e porque vocês acham que é assim que deve ser; que a criança é obrigada a dar-se e a receber-vos de braços abertos, sem que tenham que fazer absolutamente nada para as conquistar.

Tenho muita pena mas isso não acontece assim. Sobretudo não acontece assim com todas as crianças.

E depois há os argumentos do costume:

– Ah, mas a não sei quantas, filha de não sei quem, não é assim. Bom para vocês e para ela.
– As minhas filhas ou os meus filhos nunca fizeram isto. Sempre foram muito dados. Sempre conviveram bem com todos os adultos. Parabéns, lamento imenso ter uma filha que não encaixa naquilo que vocês acham que está certo.
– Ela costuma conviver com outras pessoas? Não. Nunca saímos de casa. É a primeira vez que ela está a ver um adulto que não os familiares directos, é preciso dar um desconto.

E mais, o facto de umas aceitarem e outras não é, de todo, motivo para acharem que umas são melhores e outras são piores; ou que a culpa é dos pais que não as educam como deviam. WROOOONGGG!! Muito wrong!

É muito bonito dizer que cada criança tem o seu tempo para crescer e para aprender, mas depois se ela não corresponde ao que esperam… é feia. Isso é que é feio, senhores e senhoras! Isso é que é MUITO FEIO.

Leiam este resumo simples para perceberem melhor o que vos quero dizer.

E se quiserem falar sobre isto, podem comentar o texto aqui em baixo, ou na caixa de comentários da nossa página de Facebook, que terei todo o gosto em responder e em debater convosco este tema.

Assim resta-me terminar como comecei, dizendo que não estranho minimamente que a minha filha estranhe os estranhos, até gosto. Bastante. É o sinal mais claro que ela me podia dar que se está a defender, a lutar pela defesa intransigente do seu espaço, do seu direito a fazer o que quer e o que a faz sentir bem.

Não podia ficar mais orgulhoso.

 

Texto: Martim Mariano, autor do site Agora Nós os Três

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