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Como se pode esquecer um amor que nunca chegou a nascer?

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publicado há 6 anos
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Sempre tive o sonho de ser mãe. Quando engravidei, a felicidade não cabia o peito. Eu e o meu marido chorámos abraçados e sentimos que, a partir daquele momento, tudo iria mudar. Estávamos a concretizar o maior sonho das nossas vidas.

Os planos estavam prestes a mudar. Não iríamos pensar para os dois! A partir dali, seríamos mais! Seríamos o 1+1=3! Mas o sonho desabou…

O início do pesadelo foi na primeira consulta. Não havia batimentos cardíacos. Mas calma! Às vezes acontece! «Voltem daqui a uma semana!» E assim foi! Voltámos cheios de esperança! Mas as notícias não eram as melhores! «Não me parece que haja grande evolução! Um é maior que outro, mas não me parece que dê para ir para a frente! Que pena! São gémeos e estão na mesma bolsa!» Pum pum! Dois tiros de uma só vez! Dois sonhos interrompidos de uma vez… Ficámos sem chão!

Saí do consultório com o coração nas mãos. Ia ter de andar uns dias à espera que o corpo tratasse naturalmente do assunto e caso isso não acontecesse, teria de tomar medicação durante quatro dias. Depois disso, teria de ir ao hospital ter com o meu médico para ver se estava tudo «limpinho por dentro».

Chorei como não me lembro de alguma vez ter chorado! E o meu marido chorou como eu nunca tinha visto! Tinham-nos interrompido dois sonhos! Só rezava e pedia um milagre. Queria os meus bebés! Queria que crescessem na minha barriga e nascessem bem. Queria apenas que tudo passasse de um pesadelo.

Passados poucos dias, o corpo não tinha cumprido a sua função. Tomei a medicação e passadas algumas horas, começou a sair a chamada «borra de café». E gritei… gritei muito!

Depois desses quatro dias a tomar os tais comprimidos fui ao hospital! Ecografia feita e as palavras mais temidas: «Está cá tudo ainda! Vamos tirar (…) Esta menina é para aborto (curetagem, como eles designam)», ouvi o médico dizer, como se estivesse a falar da coisa mais simples do mundo. Para eles é… Mas para nós não!

Mandaram tirar tudo. Roupa, acessórios, telemóvel… fiquei sem nada! Sozinha, com uma bata vestida, num quarto com três camas. Deitada numa delas ouvia outras mulheres a gritarem na sala de partos (mesmo ao lado de onde eu estava). Passados poucos minutos, ouvia o chorar dos bebés. Estava a testemunhar a vida, enquanto eu estava na lista de espera «da morte». Um arrombo psicológico. Como seria possível me colocarem ao lado de alguém que estava prestes a ter um filho nos braços, quando eu estava prestes a ficar sem os meus?

No meu quarto mais uma mulher na mesma situação que eu. Mas ela estava lá pela segunda vez. Estava arruinada! Tentei dizer-lhe palavras de esperança, quando por dentro também eu precisava de conforto. Virei-me na cama e chorei… Muito! Esperei 11 horas para ir para o bloco. Quando «finalmente» era a minha vez, tive de voltar para trás porque uma mulher ia dar à luz repentinamente. Sentia o olhar de pena de uma das enfermeiras que estava de serviço. Confidenciou-me mais tarde, que também ela tinha passado por um aborto gemelar. E deu-me a força que precisava naquele momento, no meio daquele misto de sentimentos e emoções.

Até que chegou o momento. Só me lembro de me deitar na marquesa e ver uns seis ou sete homens. Estagiários, presumo. Todos a olhar para «mim» e a serem testemunhas do meu sofrimento. Até que apaguei com a sedação.

Acordei já no quarto. Lembro-me que perguntei pelos meus bebés. O médico sorriu e mudou de assunto. Recebi a visita da minha mãe e do meu marido – que fazia anos nesse dia. Uma festa que se tornou no maior dos pesadelos e na pior das memórias.

No dia seguinte tive alta e demorou a recuperar o processo psicólogo. A mulher sofre essa parte interior, mas também a física. A marca do soro no pulso incomodava-me. Os cheiros faziam-me lembrar aquela fase, quis mudar a decoração toda em casa… queria apagar aquelas semanas da minha vida!

Mas como podia esquecer esta dor derivada de um (dois!) grandes amores? Como podia deixar de amar quem nunca chegou a nascer? Eram apenas “feijões”, sim! Mas eram meus! Estavam dentro de mim.

Questionei muitas vezes que mal teríamos feito para merecer tal castigo, até que fui percebendo que 40 por cento das mulheres passam por abortos. Que muitas não querem falar e que sofrem em silêncio. Mas que é uma realidade mais comum do que poderia imaginar. É uma dor que vai sendo atenuada com o passar do tempo, e no meu caso, com o nascimento de um novo bebé. Mas nunca se esquece. Não se pode esquecer.

Até porque… como se pode esquecer um amor que nunca chegou a nascer?

 

Texto: Beatriz Gonçalves

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