Saúde

Conheça Ariana, uma menina com paralisia cerebral que contrariou todas as perspetivas dos médicos

Andreia Costinha de Miranda
publicado há 5 anos
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Ariana é uma lutadora desde que nasceu. Com 25 dias de vida teve uma paragem cardiorrespiratória que lhe causou graves lesões. Disseram aos pais que a menina possivelmente não iria respirar sozinha, comer, ver, sorrir… Mas ela contrariou as expectativas. Conheça a história desta guerreira.

 

«Feliz, curiosa e com gostos já bem definidos. Gosta muito de ouvir música clássica, dos desenhos animados (nomeadamente Bingo e Rolly), dos sons dos animais, de ouvir outras crianças falarem e ouvir falar em inglês (o que eu faço muito uma vez que é a minha língua nativa). É uma lutadora!» É desta forma que Caroline descreve a “menina dos seus olhos”, a pequena Ariana.

Esta mulher de 32 anos é casada com Nuno, de 37 e vive em Ponte da Barca, zona norte de Portugal. O casal planeou a gravidez e tudo correu «dentro da normalidade no primeiro trimestre. Muitos enjoos e sonolência, mas tudo dentro da normalidade. O segundo trimestre também correu bem, mas no final do mês de julho já começaram os inchaços/retenção de líquidos. Como era um verão de muito calor, pensei que fosse devido a isso, mas talvez já tenha sido o início do problema. Tinha consultas mensais no público e também era seguida no privado», começa por contar Caroline.

O início do pesadelo

Na última consulta antes de julho estava tudo normal: ecografias normais, apesar de ser um feto pequeno – algo que sendo mãe pela primeira vez preocupava Caroline, mas que era de imediato descansada pelos médicos.

«Na terceira semana de agosto, as minhas tensões começaram a subir um pouco e a retenção de líquidos também aumentou, mas não me sentia mal, nem muito cansada», avança esta mãe que não ficou alarmada, por sentir sempre a bebé a mexer. Mas a tensão começou a subir e Caroline teve de ser internada de imediato.

«Quando abriram o livro de grávida comentaram que as minhas tensões durante a gravidez estavam normalíssimas, mas mediram a tensão e ficaram assustados com os valores. Fiz logo testes à urina e voltaram a dizer-me que estava com uma pré-eclâmpsia grave e que a bebé teria de nascer nesse dia. Foi nesse momento que me comecei a sentir mal… Aí começaram os sintomas de pré-eclâmpsia e administraram medicação para baixar as tensões e medicação para a maturação pulmonar da Ariana», explica.

Nessa altura deu-se a transferência do Hospital de Viana do Castelo para o Hospital de Braga, por não haver vaga na Neonatologia.

«Imaginava um futuro muito escuro para a nossa família»

A Ariana nasceu a 29 de agosto de 2017, às 28 semanas e três dias de gestação, com 800 gramas e Apgar de 9, 9/10, 10. «Lembro-me perfeitamente do primeiro choro. No dia 31 finalmente estava estável o suficiente para consegui ir visitá-la. Assim começou a nossa vida na neonatologia», refere.

Com 25 dias de vida a Ariana teve uma paragem cardiorrespiratória que lhe causou graves lesões. Disseram aos pais que a menina possivelmente não iria respirar sozinha, comer, ver, sorrir… «A paragem cardiorrespiratória aconteceu à nossa frente. Vimos a nossa filha a ficar cinzenta e os médicos/enfermeiros a tentarem salvá-la. Os minutos foram passando (que para nós pareceram horas)… Falam de 10/15 minutos em paragem, por isso tínhamos alguma noção que a situação, caso ela sobrevivesse, era grave. Quando a estabilizaram levaram-nos para uma sala para explicar que as 24 horas seguintes seriam críticas. Fui eu que perguntei à médica se seria provável que a minha filha ficasse com paralisia. A resposta foi “sim”».

Como Braga não tinha um serviço de neuropediatria os médicos transferiram a Ariana para o Centro Materno-Infantil do Norte (CMIN) e foi lá que lhe fizeram a ressonância para confirmar a extensão dos danos. Foi lá que os pais tiveram certeza dos problemas que a Ariana iria enfrentar. «Não sabíamos se ela iria respirar, comer, ver, etc. O mundo desabou. Antes da ressonância, sabíamos que era grave, mas acho que qualquer pai se agarra à esperança. Antes da médica nos ter dito essas palavras, acho que ambos acreditávamos que ainda poderia haver um milagre, que talvez as lesões não fossem assim tão graves. Peguei na minha filha ao colo, não sabia que qualidade de vida ela iria ter, só imaginava um futuro muito escuro para a nossa família», revela esta mãe.

«Estivemos exatamente 100 dias na neonatologia»

Ao contrário do que os médicos diziam, Ariana foi para casa a respirar sem ajuda e a comer bem… «Após três ou quatro dias no Porto, voltámos para Braga e foi lá que a equipa médica notou que a respiração da Ariana estava a melhorar e que já não precisava de ser ventilada. Mais ou menos um mês e meio depois a Ariana começou fisioterapia lá na neonatologia e com a ajuda de enfermeiras/os e da terapeuta da fala começámos nos “treinos” da amamentação e treinos no biberão», explica. 

Até lá a Ariana tinha sido alimentada por sonda. Aos poucos, a alimentação via oral foi melhorando – fazia a maioria do leite pelo biberão e restante pela sonda – mas os médicos já estavam a ponderar mandá-la para casa de sonda naso-gástrica.

No dia em que os médicos disseram isso a Caroline e Nuno, a Ariana mostrou a lutadora que é. «Arrancou a sonda durante a noite e começou a mamar a quantidade inteira pelo biberão. Com a questão da alimentação resolvida viemos para casa, sabendo que provavelmente a Ariana teria uma paralisia cerebral espástica que afetaria os membros superiores e inferiores», conta a mãe da menina, que ainda nos diz quanto tempo estiveram na neonatologia. «Foram exatamente 100 dias!»

«Durante muitos meses não sabíamos se ela via»

Uma das áreas afetadas no cérebro da Ariana é a da visão. «Durante muitos meses não sabíamos se ela via, não fixava o olhar, não seguia objetos….» E depois de muitas dúvidas e de muitas opiniões médicas, chegaram a uma “conclusão”. «Sabíamos que como estava/está em crescimento seria difícil de diagnosticar e fazer prognósticos mas sentimos que era importante fazer exames diagnósticos para tentar saber se o cérebro efetivamente estava a receber algum sinal visual do olho. Insistimos e descobrimos que sim, que de facto ela vê e que podíamos fazer estimulação visual para tentar potenciar ao máximo. Foi o último oftalmologista que também detectou que a ariana tem astigmatismo e que óculos também poderiam ajudar no processo de estimulação», refere.

Hoje Ariana continua muito atrasada em alguns aspetos. «Tem muita dificuldade em se manter sentada e em segurar a cabeça (é hipotónica no tronco) mas já teve mais dificuldade. Fisicamente também tem dificuldades em levar as mãos à boca e é muito mais hipertónica (espástica) nos braços do que nas pernas. Rasteja um pouco, mas a rigidez dos braços impede-a de mover-se mais», explica Caroline.

No que diz respeito à parte cognitiva… a menina está melhor do que se esperava. «A Ariana nitidamente percebe a causa efeito (o que ela demonstra ao brincar com os brinquedos adaptados com a ajuda de um manipulo chamado “switch” ). Apesar de ter alguma dificuldade em mexer os braços, consegue acionar o brinquedo quando pedimos para o fazer. Apesar de não falar, reconhece certas palavras. Por exemplo, ao dizer “banho” ou o nome dos desenhos animados preferidos dela, “Bingo e Rolly” ela reage logo e começa a palrar. Quando quer algo ou não quer, vocaliza… comunica à maneira dela», revela esta mãe.

«O nosso dia-a-dia gira à volta da Ariana»

A Ariana faz fisioterapia quatro vezes por semana (três vezes no Hospital de Braga e uma vez em casa), terapia ocupacional uma vez por semana, integração sensorial uma vez por semana e terapia da fala duas vezes por semana e esta família tenta também fazer hidroterapia de vez em quando.

Desta forma, o dia-a-dia de Caroline e Nuno família «gira à volta da Ariana.» «Tive que deixar o meu emprego a tempo inteiro como professora de Inglês para me dedicar à Ariana. O Nuno continua a trabalhar. Felizmente consigo trabalhar algumas horas por semana, dando formação de Inglês Técnico em fábricas na zona. Digo felizmente porque acho que é importante psicologicamente para o cuidador, se conseguir, ter algum “escape”», assegura Caroline.

Nas seis horas semanais que a mãe trabalha, Ariana fica com a bisavó. O resto do dia é passado em hospitais, clínicas e em casa, onde até o simples ato de brincar se torna numa sessão de terapia. «Infelizmente, como vivemos numa vila pequena, temos que nos deslocar para Braga para ter as terapias adequadas/especializadas para a Ariana. Existe uma equipa local de intervenção precoce em que uma fisioterapeuta vem a casa uma vez por semana. Gostaria de realçar que de facto a ideia de uma terapeuta vir a nossa casa trabalhar com a Ariana é genial, mas que 45 minutos uma vez por semana para uma criança com a condição neurológica como a dela, não é suficiente. Daí ser necessário irmos quase diariamente para Braga. Para além do esforço financeiro, também é um desgaste para a Ariana, que acaba por passar quase duas horas por dia num carro», explica.

Tudo isto faz com que algumas das maiores dificuldades no dia-a-dia de Ariana seja conciliar todas as terapias com as viagens que têm de fazer.

A Ariana também tem epilepsia de difícil controle

Para além da paralisia cerebral, a Ariana tem também epilepsia de difícil controle, um síndrome de West Secundário. «Os espasmos infantis ou síndrome de West da Ariana são uma consequência das lesões cerebrais. A Ariana tem convulsões diárias. Não são longas. Costumam durar entre cinco a 30 segundos no máximo. Às vezes até parecem ser apenas pequenos sustos e ficamos na dúvida se, de facto, foi uma crise convulsiva ou não. As mais longas, são um pouco mais difíceis de presenciar. Tentamos colocá-la na Posição Lateral de Segurança e esperamos até a crise passar, contando uns segundos para ver se será preciso administrar um anticonvulsivo SOS. Felizmente, até hoje, nunca foi preciso», diz, agradecida.

«Muita da nossa força também vem da própria Ariana»

Caroline é perentória na forma de lidar com os problemas de saúde da filha. «Não posso dizer que sempre temos as forças que desejávamos ter. Há dias em que nos vamos abaixo e parece que nunca mais vamos conseguir sair deste abismo, principalmente quando ela fica doente ou tem dias com mais crises. Saímos do “abismo” com ajuda dos familiares, amigos e os próprios terapeutas da Ariana que nos dão ânimo. Muita da nossa força também vem da própria Ariana. O sorriso puro que ela nos dá sempre que falamos com ela, os carinhos, as respostas de interação que tem connosco, tudo isto nos dá alento e força para continuar».

E que conselhos esta mãe dá às famílias que estejam a passar pelas mesmas dificuldades? «Acho importantíssimo encontrarem grupos de apoio. Eu faço parte de um que se reúne uma vez por mês no serviço de Medicina Física e de Reabilitação no Hospital de Braga e também pertenço ao grupo online criado pela Tânia Vargas, mãe do Gonçalinho (O Mundo do Gonçalinho). São sítios onde podemos desabafar e falar com pais que lidam com situações semelhantes. Quando iniciámos este percurso sentíamo-nos muito sozinhos, mas estes grupos têm ajudado. Não tenham receio de pedir segundas ou terceiras opiniões a profissionais. Procurem as respostas mais adequadas para as vossas famílias, lutem sempre para melhorar a qualidade de vida dos vossos filhos. No caso da Ariana e de muitos meninos, pode não haver cura, mas cada melhoria na qualidade de vida, por mais pequena que seja, vale a pena», finaliza.

 

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