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«Não amei a minha filha assim que a vi e quero que outras mulheres se sintam normais comigo e com elas»

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publicado há 6 anos
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Este texto é de dezembro de 2014. Quem o escreveu conseguiu comover milhares de mães que seguem o blogue A Mãe é que Sabe. Joana Gama limitou-se a desabafar e a partilhar o que sentiu assim que a sua filha nasceu. Um texto que nunca deixa de ser atual…

Não é um post com humor. Não é um post de uma lista de coisas.

É um post que, para ler, requer coração. Amor. E, acima de tudo, compreensão.

É normal nem tudo ser normal.

Não amei a minha filha assim que a vi e quero que outras mulheres se sintam normais comigo e com elas.

Depois de nove meses contigo a crescer dentro de mim, sonhei em ter-te nua nos meus braços.

Já gostava de ti quando ainda eras só o bebé.

Antes mesmo de ter a certeza de que já estavas em mim, já te amava.

Quando decidimos ter-te, já estava apaixonada por ti.

Quando ouvi o teu coração bater pela primeira vez, chorei e apercebi-me que ias mudar a minha vida para sempre e para melhor.

Quanto te vi pela primeira vez, prometi que te ia dar tudo, tudo o que tinha e não tinha, para sempre.

Quando te senti pela primeira vez, chamei-te filhota. Foi a primeira vez que comunicaste comigo.

Comecei a construir o teu quarto. A coreografar toda uma divisão com coisinhas para que te sentisses tão bem quanto possível, apesar de fora da minha barriga. Lavei toda a roupa que os avós te tinham comprado, estendi e passei.

Preparei o mundo cá fora para ser o melhor possível para ti. Só pensei em ti, a todas as horas nesses nove meses.

Chegaram as contracções. Dor. Ansiedade. Medo, mas menos do que pensava, por saber que te ia conhecer.

Fui a sorrir para o bloco, apesar de ter dois caminhos de água salgada já seca até às bochechas.

Tinha o meu maior amor ao meu lado, na poltrona e o meu amor por conhecer, na minha barriga, pronto para sair.

Passado um dia, passadas dezenas de epidurais (ou lá o que eram), horas em «jejum», uma infeção, uma ventosa… existes!

Existes e paraste de chorar. Deixaste de respirar. Respiraste outra vez. Foste para a incubadora, por estar mais quentinho.

Senti que queria ter mais um bebé, mas não me apercebi que estavas ali. O meu coração parou e, apesar de manter todos os meus outros sentidos, o sentimento não estava.

Tive noção de que algo não estava bem. Não senti. Não senti o que todas as mães dizem sentir:

«Fiz mal em ter engravidado?», «Não mereço ser mãe?», «E agora?», «Por que é que não estou a chorar de felicidade?», «O que se passa comigo?», «Estou doente?», «Sou doente?» ou «Não sinto nada».

Senti amor, sim, mas pelo pai quando te pegou ao colo.

«Por que é que o meu corpo está a torná-la invisível?», «Não vou poder falar sobre isto com ninguém, que vergonha» ou «Já sou má mãe e ainda nem acabaram de me coser».

Fui para o quarto, lá em cima. O pai foi mandado embora. E, sem me poder mexer, estando ainda o meu corpo a repetir todas as dores que senti ao longo das últimas 24 horas, sabia que estavas ao meu lado.

Além de não conseguir ir ter contigo, ou mexer-te, estava escuro. Mal te via. As outras mães estavam a descansar. Por que é que eu não te queria ter perto de mim? Por que é que nem pensei nisso? Tínhamos acabado de ser separadas e por que é que eu não sentia nada?

Sentia-me apenas sozinha por não ter ali o teu pai. Além de ter ficado sem o bebé que amava (foi como se tivesse desaparecido), não tinha ali o meu melhor amigo.

Na segunda noite, não pudeste ficar comigo. Tiveste de ir com os enfermeiros. Não me fez confusão. E odiei-me por isso. Tive vergonha de não sentir nada. Tanto que me levantei para ir perguntar por ti, mas apenas para ninguém desconfiar que não sentia nada. Fui por obrigação. Por responsabilidade e não por amor.

Afinal não é sempre verdade o que as outras mães dizem.

Estava assustada. Insegura. Choravas e eu não sabia porquê. No dia seguinte já era para vir para casa e eu não queria, porque começava a ser mãe e não sentia nada.

Viemos.

Coxeava contigo de um lado para o outro, tinha-te ao meu colo, adormecias com a mama na boca, mas não conseguia falar contigo. Estava em piloto automático.

Até que. Até que me apaixonei por ti…

ou…

… até que voltei a mim.

Fui amando-te mais e mais todos os dias. Não me imaginava um único segundo sem ti. Tinha de estar sempre a olhar para ti. Não me conseguia mexer quando adormecias em cima de mim só para ter o privilégio de ouvir a tua respiração. Tinha todo o cuidado do mundo a mexer-te, não te fosses partir. Durante a noite sonhava que estavas no meu peito.

Sou Mãe.

E, afinal, amo-te. Amo-te tanto quanto as outras mães que dizem que sentiram tudo de uma só vez.

Afinal não estou estragada e vou conseguir dar-te todo o amor que mereces e ainda mais.

Tenho saudades tuas e estás a dormir ali.

Choro agora de alívio, não estou estragada.

Vais ter a Mãe que mereces.

 

 

 

Texto: Joana Gama, no blogue A Mãe é que Sabe

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