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«O desaparecimento do meu filho»

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publicado há 5 anos
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Sempre fui muito aventureira e desportista. A minha folga ideal é passada a fazer caminhadas no mato com os miúdos.

Nesse ano o meu marido não tinha férias na mesma altura que eu. Tive a ideia de pegar nos miúdos, material de campismo para dentro do carro e seguir à aventura.

Era agosto de 2018. Conduzi três horas para norte até parar num parque de campismo. Foram os melhores dias das nossas vidas. Muita praia, brincadeiras no mato, refeições feitas à fogueira, nada de televisão. O telefone era usado só uma vez por dia para falar com o meu marido e os miúdos com o pai.

Estava a ser tudo perfeito, até que aconteceu.

Estava na praia com os miúdos. Dez, oito e cinco anos. Uma daquelas praias do norte com ondas perigosas.

Juro que as crianças vinham sempre ao meu lado. Até que olhei e não vi o Filipe. Com a calma que me caracteriza, comecei a olhar em volta. Estava certamente mesmo ali e eu não o conseguia ver.

Olhei para a areia, para o mar… nada dele.

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Tinham passado cinco minutos. Já não estava assim tão calma, mas fingi que sim pelos outros filhos.

Fui espreitar a casa de banho e avisei outras pessoas que estavam na praia para que me ajudassem, vinte olhos viam melhor que dois. As pessoas estavam verdadeiramente preocupadas e nem por um segundo me julgaram.

Ali estava eu a três horas de casa, sem o meu marido, sozinha com os meus três filhos, e um tinha desaparecido.

Passados dez minutos avisei os nadadores-salvadores. Instalou-se uma verdadeira busca. Apareceram diversos jipes daqueles que os nadadores-salvadores têm, e todos os nadadores ali perto procuravam pelo Filipe.

Também as diversas famílias começaram a procurar. Organizaram-se grupos de pessoas para ser mais fácil e eficiente.

Meia hora tinha passado e nem sinal dele. Os meus outros filhos já estavam com uma família que os levou para que não se apercebessem do meu desespero. Vi um carro da polícia marítima a chegar. E mais outro.

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Uma hora desde o desaparecimento do Filipe. Sentei-me no chão. Vomitei muito. Só aí tive coragem de ligar ao meu marido. Não tinha forças nas pernas. O coração parecia saltar-me do peito.

Minha senhora, lamento. Com essa idade não é normal que se tenha perdido e não tenha já pedido ajuda. – disse-me um polícia.

Ligaram à polícia de segurança pública. Ou o Filipe se tinha afogado, ou tinha sido levado.

Apeteceu-me morrer. Esqueci-me dos outros filhos que ali estavam. A culpa de tudo isto era minha.

Estava sentada no chão quando ouvi no rádio do nadador-salvador:

Tem cerca de oito anos e é rapaz? O nome é Filipe?

Era ele. Tinha-se perdido e teve vergonha de pedir ajuda. Esperou duas horas até pedir auxílio. Por duas horas não soube do meu filho.

Quando vi, senti um misto. Queria abraçá-lo, mas também bater-lhe por não ter pedido ajuda mais cedo. Senti-me a desfalecer.

Passaram meses e ainda tenho pesadelos. E ele também.

Foram segundos em que deixei de olhar para eles e olhei para o mar. Juro que sim. É muito fácil apontar o dedo, mas pode acontecer a qualquer um.

Não desejo a ninguém aquilo por que passei. E nem imagino a dor das mães que perdem mesmo os filhos, para sempre.

Acho que nunca agradeci a ninguém. Não me lembro de conseguir verbalizar no final de isto tudo. Mas agradeço todos os dias: às equipas de resgate, aos nadadores-salvadores, à polícia, e a todas as pessoas que me ajudaram. Todos mas todos os dias vos agradeço. Talvez um de vocês leia isto. E se o fizer, vai saber que lhe estou grata até ao fim da minha vida.

Leia este e outros testemunhos no blogue - A nossa, as dele e os dos outros

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