Família

«Sofri de violência doméstica mais de 20 anos, mas nunca disse aos meus filhos que o pai era mau»

Redação
publicado há 5 anos
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Maria Nunes tem 52 anos e é mãe de três filhos, hoje com 26, 20 e 14 anos. Durante 25 anos foi casada com aquele que desejava que fosse o homem da sua vida mas que, na verdade, se revelou o maior dos seus pesadelos.

Entre «estalos, pontapés, murros e cabeçadas», Maria viu a sua liberdade violada e a sua felicidade assombrada por um homem que, durante mais de duas décadas, a violentou física e psicologicamente.

«Namorei durante cinco anos e a um mês do casamento pela igreja fui agredida à porta do meu trabalho pela primeira vez. Ele pediu desculpa e eu achei que não iria voltar a acontecer. Mas no fundo eu sabia que iria voltar a acontecer. E foram 25 anos em que realmente fui agredida muitas e muitas vezes», conta.

Sob o olhar amedrontado dos filhos, Maria era humilhada, menosprezada e rebaixada pelo marido. O agressor não tinha, segundo esta mulher conta, qualquer problema em maltratar a esposa na presença dos filhos, que acabavam, também eles, por sofrer nas mãos do próprio pai.

Agredia os filhos porque «estava a educá-los»

Maria refere que o marido «achava normal» bater nos próprios filhos, todos menores de idade na altura, pois «estava a educá-los ao agredi-los.» «Para ele era normal agredir os filhos e a mulher», afirma. As crianças acabavam por também ser vítimas do progenitor por tentarem defender a mãe das agressões. «Ele vinha embriagado e queria-me agredir. O meu filho não deixou e ele agrediu o nosso filho», acrescenta.

Muitos foram os episódios de violência física e psicológica de que esta mãe e filhos foram alvos e que originaram a saída de casa e os pedidos de auxílio. Maria procurou ajuda em casas de abrigo, mais do que uma vez, mas o acreditar nas palavras de arrependimento do marido levou a família a regressar sempre ao cenário de terror.

A Crescer procurou perceber de que forma uma mãe aborda o tema “violência doméstica” junto dos filhos e como é lidar com o facto de ver os filhos serem agredidos pelo próprio pai, sem conseguir impedir que tal aconteça.

Como é que uma mãe explica a uma criança o que é a violência doméstica?

Eu comecei por lhes explicar que aquilo que o pai fazia não era correto de se fazer. Porque aquilo que o pai fazia não se faz. Não se agride ninguém, seja companheiro, seja amigo, seja quem for. Eles acabavam por, principalmente o rapaz, perceber que era violência doméstica. À mais nova tive que lhe explicar que o que o pai fazia era incorreto, que não se pratica violência com ninguém.

Que abordagem fazia aos seus filhos sobre os comportamentos do pai?

Eu dizia-lhes sempre que o que o pai fazia era incorreto. Nunca lhes disse que o pai era mau, mesmo quando saímos de casa e eu lhes perguntei se eles queriam continuar a ver o pai. Eu não precisava de lhes dizer que o pai era mau porque eles viam que o pai era mau. Só lhes dizia que certas atitudes que o pai tinha, que não se tinham, que aquilo não era correto. Mas eles próprios viram que o pai era uma pessoa muito má.

E para si, como foi ver os seus filhos serem agredidos pelo próprio pai?

Horrível. É um sentimento que eu vou carregar sempre, de não ter acabado com a relação mais cedo, de não ter saído de casa mais cedo porque ele não tinha o direito de agredi-los. Embora saiba que eles não me acusam e me perdoaram é um sentimento que eu não vou conseguir perdoar-me a mim própria.

Mãe e filhos foram obrigados a “mudarem-se” para Casa Abrigo

Foi em novembro de 2015 que Maria disse BASTA a toda uma vida de sofrimento e maus tratos. Durante cerca de um ano, esta mulher e os dois filhos mais novos – de 16 e 10 anos na altura – foram obrigados a começar do zero noutra zona do país.

Mudar de casa, de localidade, de escola e de amigos «não foi fácil.» «Para as crianças não é fácil. Eles têm que deixar os amigos deles, têm de deixar a escola, o meio onde vivem. Não é fácil mas pela tranquilidade que nós lá tínhamos na Casa Abrigo, pela paz e pelo sossego eles conseguiram fazer a transição, fazer novos amigos. Começar novamente do zero», diz.

Por não se saber onde estão localizadas as Casas Abrigo e para que as vítimas estejam sobre proteção, esta mãe e estas crianças nunca mais viram nem estiveram em contacto com o agressor. Este foi, entretanto, condenado a um ano de pena suspensa, estando ainda impedido de se aproximar e contactar com as vítimas.

Apesar de ainda viver com a sombra do medo de ser descoberta, Maria e os filhos recomeçaram do zero a Norte do país e confessam-se «felizes».

No primeiro trimestre de 2019 morreram 11 mulheres vítimas de violência doméstica

Segundo dados divulgados pela Polícia Judiciária, no primeiro trimestre do ano de 2019 foram registados 27 homicídios. Desses, 14 foram cometidos em contexto de violência doméstica, tendo sido assassinadas 11 mulheres, dois homens e uma criança com menos de três anos.

Texto: Marisa Simões

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