Família

Escola do Sentir: Levar a educação emocional e a promoção da saúde mental às famílias

Andreia Costinha de Miranda
publicado há 5 anos
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A Escola do Sentir, nasceu do sonho de duas psicólogas, que entre a experiência clínica, entre o hospital e a clínica privada, entre Lisboa e Coimbra, foram recebendo muitas crianças, adolescentes, muitos pais e alguns professores.

Entre os casos que recebiam, por entre os primeiros passos numa carreira, nasceu a vontade de investir numa nova perspetiva de educação, na educação para o Ser de forma holística… Logo de início, o sonho ganhou nome, ‘Escola do Sentir’, não restavam dúvidas!

O site Crescer entrevistou as mentoras deste projeto e mostra-lhe a entrevista, em baixo.

1 – Antes de mais, o que é a Escola do Sentir?

A Escola do Sentir foi fundada por nós, Cátia Lopo e Sara Almeida. Somos psicólogas clínicas. É uma organização social que tem como principal missão levar a educação emocional e a promoção da saúde mental a cada vez mais crianças e a mais famílias, gerando um alto impacto social e educacional. Isto é, facilitamos estratégias às crianças, às famílias e aos educadores que permitem uma expressão e gestão adequada das emoções.

Construímos uma metodologia de intervenção própria alicerçada na nossa experiência clínica e em diversos dados científicos da psicologia que confirmam a importância do desenvolvimento da inteligência emocional desde cedo.

Neste momento, a Escola do Sentir assenta em quatro pilares fundamentais de intervenção: intervenção clínica, onde disponibilizamos todos os serviços no âmbito da psicologia clínica com crianças, adolescentes e pais, intervenção em contexto escolar, através de programas que acompanham todo o ano lectivo ou programas pontuais, intervenção comunitária em bairros sociais e intervenção em contexto desportivo.

2 – Como surgiu a ideia de criar este projeto?

A Escola do Sentir nasceu a partir da nossa experiência em contexto clínico (quer hospitalar, quer de clínica privada) e da nossa sensibilidade do dia-a-dia das famílias e das crianças. No fundo, aquilo que nos começámos a aperceber é que uma parte significativa das crianças não tem as competências e as estratégias necessárias para reconhecer e gerir tudo aquilo que se passa dentro de si e na relação com os outros, gerando dificuldades significativas, como por exemplo, baixa tolerância à frustração. Também os pais, por vezes, carecem de ferramentas para conseguir promover o crescimento em equilíbrio das crianças.

A partir desta necessidade, que muitas vezes se torna um verdadeiro problema social, surgiu a ideia da Escola do Sentir, para promover a igualdade no acesso aos recursos de educação emocional e saúde mental.

3 – Para quem não conhece, como descrevem a Escola do Sentir?

A Escola do Sentir é uma estrutura de apoio a crianças, adolescentes, famílias e escolas, que disponibiliza vários serviços no âmbito da psicologia e da educação. A nossa intervenção vai desde a psicologia clínica até aos programas de desenvolvimento da inteligência emocional e competências sociais em diversos contextos.

Por exemplo, num programa de desenvolvimento de inteligência emocional, a nossa intervenção passa por, num primeiro momento, desenvolver as competências sociais das crianças, onde é muito importante o estabelecimento de regras, a mudança de comportamentos desajustados e o respeito pelo outro para posteriormente, ensinarmos as crianças a lidarem com as emoções.

Assim, primeiro aprendem a sintonizar-se consigo próprias, a reconhecerem as suas emoções (isto é, por exemplo, a identificar os sinais no corpo que lhe dizem que emoção está a experienciar), a reconhecer as emoções nos outros (por exemplo, conseguirem estar atentos à postura corporal, à expressão facial, ao tom de voz), para, posteriormente, serem capazes de expressar e partilhar o que sentem. Só depois de estarem asseguradas as condições necessárias para identificar e expressar as emoções, partimos para as estratégias que permitem às crianças e aos adolescentes gerirem as emoções.

Quando estão desenvolvidas as competências necessárias para lidar com as emoções, é trabalhada a auto-estima e a auto-motivação, o desenvolvimento de empatia e a resolução de conflitos.

A nossa metodologia para os programas de desenvolvimento de inteligência emocional, assenta essencialmente em dinâmicas práticas e de grupo, como por exemplo a dramatização a expressão corporal e os jogos de imaginação, os programas variam de turma para turma, pois, o essencial é sentirmos cada grupo de crianças e irmos ao encontro das suas necessidades mais especificas.

Sabemos que a educação para as emoções é um direito de todas as pessoas e é o ponto de partida para a qualidade de vida, desenvolvimento da sociedade e diminuição das desigualdades.

4 – Qual é a principal missão deste projeto?

A nossa missão é estar no terreno perto das crianças e das famílias, com o objetivo de fazer face a algumas questões que parecem ter-se tornado uma “epidemia” do sec. XXI. Falamos dos comportamentos violentos, hiperatividade, dificuldade nas relações com os outros, dificuldades de aprendizagem, dificuldade na auto-estima, entre outras.

Sabemos que se cada criança/adolescente conseguir tomar consciência de si e daquilo sente, torna-se, em tempo real, cada vez mais capaz de gerir as suas emoções, não depositando todas as suas frustrações na relação com o outro. Por isso, se cada um se conseguir gerir emocionalmente, torna-se mais fácil a sua vida em sociedade e, por consequência, gera-se um aumento da auto-estima, do sucesso escolar, da capacidade de resolução de conflitos e da diminuição de comportamentos violentos, providenciando assim, uma melhor qualidade de vida no seio familiar e escolar.

Não nos podemos esquecer que os comportamentos que muitas vezes reprovamos das crianças, são muitas reflexo de fragilidades internas e emocionais e, se queremos mudar estes comportamentos, temos de ensinar as crianças a olhar para o que se passa dentro de si.

Sabemos que se providenciarmos a aquisição das competências associadas à inteligência emocional, se conseguirmos gerir as emoções, isto é, dar nome e ligar tudo aquilo que se passa dentro de nós e na relação com o outro, estaremos inequivocamente mais aptos para aprender, para nos relacionarmos e resolvermos problemas.

Aquilo que ambicionamos é que a educação para as emoções exista na escola a par do ensino do português e da matemática. Pois, só quando estamos sintonizados connosco próprios e aptos para gerir as nossas emoções em tempo real, somos capazes de exponenciar todos os nossos recursos e aprender.

5 – No vosso site dão a conhecer que estiveram no Brasil em missão de voluntariado. Podem falar dessa experiência e qual o balanço dessa aventura?

Sim, estivemos em missão de voluntariado na Bahia, onde trabalhávamos diariamente com crianças e adolescentes da vala (aquilo a que nós chamamos de favela). Antes de partirmos queríamos levar mais do que o nosso apoio na logística do dia-a-dia das crianças e adolescentes, queríamos ajudá-los a, mesmo nas circunstâncias em que viviam, serem capazes de parar e olhar para o seu coração para o que estão a sentir e saberem que podem gerir as suas emoções e orientar os seus comportamentos.

Assim, antes de partirmos, criámos o nosso primeiro programa de desenvolvimento de inteligência emocional e competências sociais, o projecto piloto da Escola do Sentir foi aplicado neste contexto de voluntariado com crianças e adolescentes desfavorecidos entre os seis e os 15 anos.

Foi uma experiência singular que nos permitiu sentir e crescer com cada criança/adolescente e que, de alguma forma, se tornou um grande laboratório, por nos permitir uma proximidade muito grande com a escassez de recursos e de estrutura familiar, mas também com a capacidade de mesmo na escassez conseguirmos criar, construir e deixarmos sementes em cada um deles.

O nosso projeto piloto teve resultados muito consistentes e percebemos que mesmo num contexto altamente desfavorecido, é possível promover a educação emocional, providenciando melhorias significativas no dia-a-dia das crianças e adolescentes.

Quando regressamos a Portugal consolidamos a Escola do Sentir com o apoio da Câmara Municipal de Lagos, com intervenção em contexto escolar e em contexto privado. O projeto foi crescendo e hoje estamos sediados em Lisboa.

6 – Que maiores dificuldades notam nas crianças no que diz respeito às emoções?

Quer em contexto clínico, quer em contexto escolar, uma das principais dificuldades que sentimos é a dificuldade das crianças expressarem e partilharem as emoções (também os adultos têm por hábito guardar tudo o que sentem para si). E se não conseguimos partilhar, não conseguimos dar significado nem gerir tudo aquilo que se passa dentro de nós, pois o primeiro passo para gerir emoções é ser capaz de as partilhar.

Esta dificuldade advém também do contexto social, temos tendência a educar para não chorar, para não sentir raiva, para não termos medo, e sempre que, bloqueamos uma emoção, ela tende a instalar-se de uma forma menos saudável dentro de nós. E é à custa, por exemplo, de muitas tristezas que “varremos para debaixo do tapete” que, mais tarde, surgem os quadros depressivos, por exemplo.

Outra das grande dificuldades que sentimos é baixa tolerância à frustração, isto é, temos tendência a proteger em demasia as crianças, a satisfazer todos apelos na hora, a deixa-las horas seguidas ligadas à tecnologia e tudo isto gera uma grande incapacidade de reagir perante a situação mais simples que vá contra a expectativa da criança ou adolescente, vemos muitas crianças incapazes de competir com medo de perder, vemos cada vez mais crianças que acabam por ter o controlo e mandar lá em casa, a par disso, vemos birras cada vez mais intensas e mais desajustadas à situação.

Estas dificuldades são transversais a todas as classes sociais e tendem a introduzir um desequilíbrio no desenvolvimento infantil.

7 – Mas para além de se focarem nas crianças e jovens, não esquecem os pais… Que aconselhamento dão aos pais e às mães?

Os pais e a família são uma ferramenta fundamental, quer na intervenção escolar, quer na intervenção clínica, é importante que os adultos não percam de vista que as crianças aprendem com base naquilo que vão vivenciando no dia-a-dia e que os pais, regra geral, são os principais modelos das crianças.

Neste sentido, é importante colocar os pais a pensar acerca dos seus hábitos da forma como gerem as suas emoções e como o transmitem para as crianças. Aqui falamos até de pequenos comportamentos do dia a dia, não é raro nas nossas sessões em contexto escolar haver crianças que nos dizem que os pais não ficam tristes ou não têm medo, recentemente uma criança insistia connosco que os pais não tinham emoções, pois os pais “só estão cansados, não sentem mais nada”, e é aqui que é importante trabalhar, sim os pais têm emoções, também ficam tristes, com medo ou com raiva, às vezes, estão cansados, mas têm de fazer um esforço para começar a identificar e partilhar aquilo que sentem.

Se formos os primeiros a identificar que, às vezes, estamos tristes, estamos a ensinar as crianças que também elas podem estar tristes e não precisam de conter e guardar para si tudo aquilo que sentem, ao mesmo tempo que, criamos uma ponte de cumplicidade com a criança para que ela se sinta capaz de também ela partilhar o que sente.

É importante que os pais não se esqueçam que a inteligência emocional pode e deve ser estimulada desde o nascimento, pelas interações entre o bebé e as figuras paternas e, à medida que as crianças vão crescendo, através da qualidade das suas interações. No dia a dia temos um terreno fértil para o desenvolvimento da inteligência emocional, pelo que, se diariamente, aplicarmos uma linguagem com emoções, temos uma óptima alavanca para uma criança se desenvolver emocionalmente.

8 – Há algum ponto de partida que seja importante para trabalharmos a inteligência emocional de uma criança?

Esse é um ponto muito importante. Uma das questões fundamentais que trabalhamos com os pais é desconstruir e colocar questões, é importante sensibilizar os pais e educadores que antes de podermos pensar em ajudar a criança a gerir emoções mais concretas como, por exemplo, o medo ou raiva, há pilares fundamentais que se devem construir, para criar um caminho propício ao desenvolvimento da inteligência emocional e ao bem-estar de uma criança, são eles: dar muito amor e mim, introduzir regras e limites claros, permitir a expressão e auxiliar a traduzir por palavras aquilo que a criança sente, falar de si e das suas emoções, olhar o mundo na perspetiva da criança.

Os pais são, muitas vezes, pais de coração cheio de amor, o que nos deixa muito descansadas, até porque todos aqueles que vêm até nós já se estão a questionar e a colocar em posição de crescimento e muitas vezes, basta pensarmos em conjunto acerca de algumas dinâmicas e comportamentos que se têm vindo a repetir, e com pequenas estratégias, que os pais podem ter com os filhos, vemos várias fragilidades das crianças e da dinâmica familiar serem resolvidas.

Por isso, os pais são sempre um aliado fundamental quer no desenvolvimento de inteligência emocional dos filhos, quer na alteração de hábitos que podem estar a ser prejudiciais às crianças e à família.

9 – Ainda existe muito a ideia de que os psicólogos são para os “maluquinhos” e que chorar é para os fracos. Vocês também ajudam a desmistificar esta ideia? Como abordam este tema?

Sim, ainda é muito difícil as pessoas reconhecerem que precisam de apoio de um profissional como o psicólogo, inclusive quando se tratam de adolescentes os pais têm receio que se o adolescente souber que está no psicólogo possa ter vontade de “fugir”.

Acontece que também ainda é comum sermos educados para conter tudo aquilo que sentimos, como se só chorassem os mais fracos, e como se o psicólogo fosse efetivamente apenas para “malucos”.

Quem vai ao psicólogo precisa de conseguir colocar-se em questão e em posição de auto-conhecimento e desenvolvimento e isso nem sempre é fácil. Aquilo que acaba por acontecer é que, regra geral, as pessoas só procuram a ajudam de um psicólogo já em fase limite e é isso que queremos que deixe de acontecer, é importante sermos capazes de dar sentido a tudo aquilo que vivenciamos em tempo real e olharmos para as emoções no dia-a-dia.

E é neste trabalho de prevenção que também nos temos focado, ao promovermos a educação emocional, mostramos que nos conhecermos melhor é fundamental, e permite-nos chegar muito mais longe com as nossas capacidades.

Em jeito de provocação, temos por hábito dizer que “maluco” fica quem tem medo de olhar para dentro de si, quem guarda as lágrimas; “Maluco” fica quem varre as tristezas para debaixo do tapete, quem, em vez de se expressar, se transforma numa espécie de “bomba relógio” que, mais tarde ou mais cedo, acabará por explodir. No fundo, “maluco” é quem foge de si próprio e de se conhecer.

10 – Para quem vos quiser encontrar, como pode fazer?

Estamos sediados em Lisboa, mas qualquer pessoa, ou entidade, pode facilmente contactar connosco através do nosso site www.escoladosentir.com. Os pais podem procurar-nos quer para serviços de psicologia clínica, orientações vocacionais ou para programas de desenvolvimento de inteligência emocional e competências sociais que são programas dinamizados em grupo.

Qualquer escola, autarquia ou outra entidade que sinta que podemos ser úteis com uma intervenção a nível de educação emocional pode contactar-nos.

11 – “Educar a mente sem educar o coração não é educação”… É esta a principal mensagem que querem passar?

Sim, essa é uma das mensagens que queremos passar, investimos muito na sensibilização para a importância de olharmos para dentro de nós e educarmos as crianças para o Ser, isto é, para serem capazes de escutar e respeitar os outros, serem capazes de trabalhar em equipa, de reconhecerem as suas emoções e geri-las em tempo real e de serem empáticas.

Acreditamos que se não educarmos para estas áreas corremos o risco de perder o nosso lado mais humano, corremos risco de perdermos o lado criativo e singular de cada criança. Pois, sempre que não se aprende a sentir e a dar significado ao que se passa dentro de nós, colocamos um travão ao nosso pleno desenvolvimento e reunimos condições propícias ao adoecer psicológico.

Quer as crianças, quer os adultos, têm dentro de si uma montanha russa de emoções, as crianças passam uma parte muito significativa do seu dia nas escolas (algumas chegam a passar um tempo que ultrapassa aquilo que seria razoável), logo o contexto escolar assume sempre um espaço fundamental na descoberta das emoções de uma criança.

Mas, paradoxalmente, vemos as escolas a dar ênfases aos ranking’s, e a sobressaírem apenas as letras e os números, sendo dada muito pouca importância à educação emocional e educação para o Ser. Ora não há dúvida que as letras e os números são fundamentais, mas se uma criança acabou de chegar do intervalo e gozaram com ela o tempo todo, ou assistiu a uma discussão entre os pais, não vai estar disponível para aprender. Daí ser urgente que as escolas estejam cada vez mais atentas ao lado emocional das crianças e que a educação emocional passe a ser regra nas escolas portuguesas.

Assim, se as crianças aprenderem a expressar e a gerir as suas emoções na infância, vão inequivocamente crescer mais capazes e emocionalmente saudáveis. Isto é, ao ensinarmos uma criança a reconhecer e gerir as suas emoções, proporcionamos-lhe um terreno fértil para crescer em sintonia consigo própria, com a família e com o mundo à sua volta, de forma saudável e tranquila.

No fundo, ansiamos uma escola que eduque para as emoções, para o sentir, para os afectos, para a igualdade, para o equilíbrio e bem-estar global, uma escola onde há lugar às relações e à brincadeira.

Sonhamos uma educação que não se fique apenas pelos conteúdos académicos, uma nova educação que não se distancie daquilo que cada criança é, que ligue os pais, as crianças e a escola. Pois, é inequívoco que só se investirmos numa educação que também se lembra do coração, podemos ter um mundo melhor, onde o sentir é a palavra de ordem.

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