Bebés/Crianças

Libertar as emoções através da brincadeira

Redação
publicado há 6 anos
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Geralmente, é na escola que começam por ser detetadas dificuldades nas crianças e, não poucas vezes, logo aquando da entrada para o pré-escolar. Isto acontece não só pela avaliação que o contexto requer – de performance cognitiva e competências psicossociais –, mas também porque é o espaço onde as crianças passam a maior parte do tempo. A escola surge assim como local privilegiado de identificação de necessidades de apoio e a informação que dela provém é material a ter em conta pelos técnicos de saúde mental infantil.

Importa desmitificar a ideia de que as crianças «herdam» dificuldade para a matemática ou a tendência para ser mau aluno porque «já o pai tinha dificuldades». Quando saudáveis, as crianças são naturalmente curiosas e sedentas de aprender, mas é preciso que estejam tranquilas no seu mundo interno para que se possam virar para o exterior e desejar apre(e)ndê-lo. As dificuldades na escola são um «sintoma» frequente de que a relação com o exterior está comprometida porque a vivência interior está exigir demasiada atenção.

Quando assim é a criança deve ser ajudada, sob pena de agravarem os problemas de aprendizagem e socialização. As equipas educativas estão hoje preparadas para a deteção precoce destas situações e, muitas vezes, são elas quem dão o primeiro alerta validando as inquietações que levarão os pais a marcar uma consulta, estejam elas diretamente relacionadas com resultados escolares ou outros (hiperatividade, agressividade, alimentação autónoma, maturidade psicomotora, indisciplina, bullying…).

O que acontece quando levo o meu filho a uma consulta de psicologia?

O primeiro contacto com o psicólogo clínico infantil passa por uma entrevista clínica com a criança e a família nuclear. Tem sido defendido que isto deve ocorrer fora do espaço escola por questões de confidencialidade e para garantir à criança um espaço neutro, demarcado da carga avaliativa e da pressão interpares; assim, tradicionalmente a escola seria espaço reservado aos psicólogos educacionais, pois é seu métier intervir em questões pedagógicas. Não obstante, é preciso ter em conta que, em certas escolas onde se deteta uma franja significativa de alunos com necessidades de apoio clínico, há claros benefícios na presença de um técnico desta especialidade in loco, pois frequentemente são comunidades onde o acesso às consultas não é fácil nem os pais estão devidamente esclarecidos sobre a ida ao psicólogo. Nestes casos, um primeiro contacto num espaço de confiança e referência para a família – a escola – pode marcar a diferença e fazer chegar a ajuda àquela criança que de outro modo talvez não viesse. Por estas e outras razões, cada vez mais cabe aos «psis» uma intervenção na comunidade, próxima das pessoas e da sua realidade.

O que acontece numa sessão de terapia infantil? É isso que vamos esclarecer em dez rápidas perguntas. Questões que provavelmente já fez a si próprio(a)…

 

1 – O que é a ludoterapia?
É a metodologia usada pelos psicólogos clínicos quando os seus consultantes são crianças (entre os três e os 11 anos). Geralmente, os mais pequenos não estão amadurecidos (cognitiva ou emocionalmente) para exprimir certas emoções, pelo que o psicólogo utiliza como meio de comunicação algo que lhes é muito familiar: o brincar. Da ludoterapia faz parte um conjunto específico de brinquedos e técnicas expressivas (desenho e plasticina) que surgem como mediadores emocionais através dos quais se desenvolve a relação terapêutica. A ludoterapia permite à criança projetar nas brincadeiras as suas  inquietações, angústias, encontrando na figura do terapeuta alguém de confiança que o ajuda a organizar o pensamento, a emoção e o comportamento. A capacidade de fantasiar da infância é, em boa verdade, dos exercícios mais eficazes para o crescimento intelectual e emocional. Brincar é necessário, brincar em ludoterapia é curativo.

2 – Como decorre?
Em sessões semanais de 45 minutos sempre no mesmo dia e à mesma hora. Esta regularidade é essencial para a consistência do apoio e, por conseguinte, para o seu sucesso. A duração é definida de acordo com a situação. Em cada sessão a criança pode escolher conversar, desenhar ou brincar. As sessões podem ser individuais ou em grupos terapêuticos. Neste caso, o grupo tem um máximo de seis crianças. A integração num grupo terapêutico é sempre precedida de uma entrevista com a criança e com os pais para avaliar a situação e qual dos cenários trará mais benefícios.

3 – O que se pode esperar da ludoterapia?
A ludoterapia proporciona um espaço seguro onde a criança é acompanhada por um especialista que conduz o processo, de modo a aliviar os sintomas que motivaram o pedido de apoio, mas, sobretudo, a atuar sobre as suas causas. O terapeuta não emite juízos de valor, não impõe crenças ou ideologias, nem tão-pouco dá conselhos; trabalha sobre a realidade emocional da criança, aceitando-a e respeitando-a como parte do seu percurso. Acredita sempre no potencial do seu pequeno paciente e ajuda-o a descobrir as ferramentas psicológicas para concretizar esse potencial. A ludoterapia promove melhorias nas competências emocionais e cognitivas, autoestima, diminuição da ansiedade e melhoria da assertividade. Fazer ludoterapia é construir uma herança de autoconhecimento e de maior prazer pela vida, com melhorias objetivas sobre a qualidade das experiências e das relações com os outros. Proporcionar esse recurso a um filho é garantir uma das competências mais importantes para a vida, porque tudo será construído a partir daí.

4 – Quem pode prestar acompanhamento em ludoterapia?
A ludoterapia é uma intervenção do domínio da psicologia clínica, como tal deve ser desenvolvida por psicólogos com formação específica nessa área. Brincar em ludoterapia é, na verdade, algo sério, com referenciais de conhecimento e técnicas que lhe são próprias. Poderá ainda ser desenvolvida por pedopsiquiatras que tenham desenvolvido competências terapêuticas nesta vertente.

 

5 – A vida das crianças parece tão simples. Porque hão de fazer terapia?
As dificuldades de cada etapa de vida são sentidas de acordo com a maturidade e os recursos psicológicos disponíveis à data, pelo que a simplicidade que geralmente se atribui ao dia-a-dia das crianças tem mais a ver com a perceção do adulto do que propriamente por a vivência infantil ser um mar de rosas e despreocupação. À semelhança dos adultos, em que, por vezes, os desafios postos pela vida são demasiado duros de ultrapassar sozinhos, também as crianças apresentam, por vezes, dificuldades inerentes ao processo de crescimento, socialização ou certos episódios de vida. O mundo dos «crescidos», do qual dependem integralmente, é para elas demasiado confuso e assustador e isso gera sintomas de mal-estar e mudanças de comportamento que dão o alerta. Quando isso se verifica as crianças devem ser ajudadas, a bem da sua saúde. Quanto mais cedo melhor e mais bem-sucedido será o processo.

6 – A ludoterapia é só para crianças «problemáticas»?
Não, aliás muitas situações que requerem terapia não se enquadram no estereótipo da «criança problemática». Acontece que são essas crianças as mais encaminhadas na comunidade pelo «incómodo» que provocam, daí que haja uma tendência para associar a necessidade de acompanhamento terapêutico a estes casos. Fazer terapia não é um castigo para crianças malcomportadas. É uma oportunidade, para crescer melhor, sobretudo. Na verdade, a ludoterapia é benéfica sempre que se verifique alguma dimensão de sofrimento ou dificuldade de ajustamento na criança, seja de carácter temporário ou persistente, seja mais notória ou «silenciosa». A prática clínica produz evidências disso mesmo.

7 – Se a ludoterapia é brincar então posso eu fazê-la com os meus filhos?
Não. Pode e deve brincar com os seus filhos sempre que possível, estará a reforçar a sua relação com eles e a partilhar bons momentos, mas o brincar em ludoterapia é diferente e a criança sabe-o. Ali, os brinquedos e materiais de expressão plástica são usados como mediadores da relação e as sessões são baseadas em técnicas e objetivos terapêuticos que dependem dos  conhecimentos específicos do clínico com formação nesta área. Por outro lado, e não menos importante, ser terapeuta exige uma «distância» razoável das questões do paciente, motivo pelo qual ninguém pode ajudar verdadeiramente alguém de quem esteja tão próximo emocionalmente. Não podemos ser terapeutas de uma pessoa se de alguma forma fazemos parte da sua história.

8 – Como funciona o sigilo nestes casos, tratando-se de uma criança?
Os princípios éticos subjacentes à ludoterapia são os mesmos de uma psicoterapia de adulto. Ditam que a criança está salvaguardada pelo sigilo profissional, pelo que o terapeuta não pode transmitir detalhes do que se passa nas sessões para que não haja quebra de confiança, até porque eles só são relevantes para o técnico (material psicológico). Naturalmente transmitirá aos pais a evolução sentida e recorrerá a eles para partilhar informações, esclarecer, dar novas orientações, sempre que necessário. Já a criança, por sua vez, pode sempre falar sobre as suas sessões se quiser, fica ao seu critério. Esta é uma questão sensível para pais mais ansiosos que tenham dificuldade em autogerir-se perante a ideia de o filho ter um espaço próprio. Mas ao terapeuta infantil cabe estar atento a estas questões e ajudar também os pais a lidar com algumas dificuldades que possam surgir.

9 – Como sei se estou a escolher a pessoa certa para confiar o meu(a) filho(a)?
Procure profissionais certificados e serviços de psicologia e psicoterapia com protocolo com a Ordem dos Psicólogos Portugueses. Isso significa que está perante profissionais que cumprem os requisitos técnicos, humanos e legais para o exercício da função. Poderá também pedir uma recomendação a alguém da sua confiança. Mas, acima de tudo, confie no seu instinto. Procure um profissional com o qual se identifique, cuja abordagem lhe faça sentido e com quem sinta empatia. Ela é a base para construir uma cooperação de confiança e um bom indicador a ter em conta na sua escolha.


Por: Dr.ª Joana Ramos Pereira, Psicóloga Clínica/Ludoterapeuta

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