Saúde

Vítima de alegada negligência médica no parto desabafa à Crescer: «Podíamos ter morrido!»

Filipa Rosa
publicado há 5 anos
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Henrique nasceu dia 14 de março. Pouco passava da meia-noite. Porém, não teve direito ao colinho da mãe. Várias complicações no parto deixaram-no com graves lesões e o internamento foi inevitável. Ana Pais garante que foi vítima de negligência médica e exige justiça.

Ana Pais nunca pensou que aquele que deveria ser o dia mais feliz da sua vida se transformasse num pesadelo. A jovem, de 25 anos, foi mãe de um menino às 38 semanas no Hospital Garcia de Orta (HGO), em Almada. Henrique nasceu com 4,255 quilos e 54 centímetros. Esteve internado um mês e meio.

Foi considerado um bebé demasiado grande para nascer de parto normal. No entanto, a equipa médica alega que não se apercebeu do tamanho da criança, nem das consequências que viria a ter um parto nas circunstâncias que foi.

Vamos começar do início. Ana foi acompanhada, desde as 17 semanas de gestação, no HGO, onde verificaram que as suas plaquetas estavam demasiado baixas (trombocitopénia). Na madrugada de 11 de março, três dias antes de ser mãe, dirigiu-se às urgências daquele hospital com a bolsa rota. Eram quatro da manhã e as fortes dores das contrações não passavam despercebidas a ninguém que por ela passava. Na triagem, a enfermeira de serviço mediu-lhe a tensão e colocou-a a fazer o CTG. «Tinha muitas contrações, mas ela dizia que ainda faltava para o bebé nascer», recorda.

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Na hora de ser examinada por um médico, cujo nome prefere não revelar, percebeu-se que já tinha um dedo e meio de dilatação, mas que «ainda estava muito longe de o bebé nascer». «Fizeram-me uma ecografia. Disseram-me que ainda tinha muito líquido e que o bebé era bastante grande e gordo… algo que sempre me disseram em todas as ecografias que fiz no decorrer das consultas de gravidez no HGO», conta aquela que ficou internada com bolsa rota, sem monitorização até à manhã seguinte.

Por volta das 10:00, o CTG indicava fortes contrações. Foi-lhe feito o toque. Continuava com um dedo e meio de dilatação. Voltaram a dizer-lhe que o nascimento estava longe. «Decidiram dar-me dois comprimidos para induzir o parto, seria uma ajuda… Aceitei e assinei o termo de responsabilidade, pois a primeira gravidez foi parto induzido às 42 semanas na Maternidade Alfredo da Costa e correu super bem», revela, recordando o decorrer daquele «dia desconfortável cheio de dores, toques maldosos e contrações». «Perguntei a uma enfermeira por que razão não estava a ser monitorizada. Garantiu-me que não era necessário e eu confiei nas palavras dela… mesmo sabendo que tinha a bolsa rota há mais de 24 horas e que corria riscos.»

«Deixei de sentir o meu bebé a mexer»

Nessa noite, Ana, já desesperada, implora por ajuda. «Disse a uma enfermeira que já não aguentava tantas dores e que tinham de fazer alguma coisa, porque já estava há muito tempo com a bolsa rota… e deixei de sentir o meu bebé a mexer. Disse-me que todo aquele procedimento pertencia ao protocolo do hospital e que não poderia fazer nada. Pediu-me para ir descansar… Fiquei a olhar para ela e virei-lhe as costas!»

Ao ver o seu estado, a enfermeira decidiu encaminhar Ana para o bloco de partos, porque lá saberiam o que fazer. «Toda encurvada, cheia de dores, arrumei as minhas coisas e fui. Quando lá cheguei, ouvi as médicas e enfermeiras a comentarem entre si não perceberem o motivo de eu ali estar, se ainda só tinha um dedo e meio de dilatação… Disse bem alto que estava com a bolsa rota desde as três da manhã de dia 11! Pouco depois chega a anestesista que recusa dar-me epidural devido ao meu problema da trombocitopénia (plaquetas baixas no sangue), mas que havia outra solução medicamentosa. Explicou-me que, ao levar epidural, corria uma percentagem elevadíssima de ficar sem me mexer da anca para baixo. Colocaram-me a oxigénio, monitorizaram-me e deram-me imensas “drogas” para atenuar as dores. Fiquei completamente desnorteada», recorda.

Com febre de quase 40 graus, muitos suores frios e dores, Ana temeu o pior naquele momento. «Nunca me disseram o que se passava. Nunca me perguntaram como queria o parto. Nunca foram atenciosos. Continuava com dores fortes. Vieram colher sangue para hemograma para ver se as plaquetas tinham subido. Fizeram-me o toque e continuava sem dilatação. O meu marido e sogra foram visitar-me ao quarto e estavam muito indignados com a situação. Quando perguntámos pela cesariana, disseram-nos que não podiam avançar devido às baixas plaquetas.»

No entanto, Ana sabe que não é bem assim. «Ao longo da gravidez eu tinha, de facto, as plaquetas baixas do valor de referência. No entanto, quando já estava na sala de partos, mas sem dilatação há dois dias, repeti a análise das plaquetas e estavam “boas” para levar epidural, mas não quiseram fazer cesariana porque o parto normal estava no protocolo…», explica.

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Horas depois foi verificado que Ana já estava com quatro dedos de dilatação. «Mas ainda falta para o bebé nascer…», diziam-lhe. Quando atingiu os 10 dedos de dilatação fizeram-lhe o parto normal. «Já não aguentava. Sentia-me cansada, exausta com tantas dores…», desabafa aquela que acabou por levar epidural, apesar do problema da trombocitopénia. «Questionei, mas ignoraram-me. Fizeram-me assinar o termo de responsabilidade só depois da injeção.»

Fraca, ansiosa e exausta, Ana não percebia por que razão não avançaram para cesariana. «Afinal também não podia levar epidural por causa das plaquetas baixas e depois acabei por levar… Ninguém me ajudou! Só pedia para terminar o meu sofrimento!»

O marido, João, de 27 anos, esteve com a mulher na hora do parto difícil. Foram momentos de grande tensão e sofrimento. «Fazia força, mas o bebé não saía. Acabou por nascer… mas cortaram-me TODA. Só tremia de frio a escaldar em febre. Perderam o controlo da situação e começaram a gritar para chamar a obstetra e a pediatra.»

Henrique acabou por nascer sem oxigénio, com asfixia e distocia de ombros. «Não vi o meu filho. Levaram-no. Chegou a pediatra e disse-nos que nos dava novidades quando pudesse… Ficámos com o coração nas mãos, sabendo que tinha sido desde o início erro médico. Negligência médica! Enquanto era cosida só rezava para que aquele pesadelo acabasse…», lamenta sem conseguir explicar o que aconteceu nem por que razão.

«Depois do parto, fiquei sozinha num quarto sem saber nada do meu filho. Ninguém me dava informação nenhuma, mesmo quando perguntava… Quando o meu marido conseguiu visitar-me, contou-me que o meu filho estava nos cuidados intensivos da Maternidade Alfredo da Costa, em Lisboa, em estado gravíssimo. O meu coração quase parou. Caiu-me tudo. Desatei a chorar. Queria o meu bebé ali comigo, como tantas outras mães que ali via naquele corredor…»

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Devido a uma infeção grave, Ana esteve a antibiótico, internada, alguns dias para ser medicada através de um cateter. «Sempre questionei todos aqueles profissionais de saúde e só me fizeram sofrer até à última. A mim e ao meu filho. Eu e ele podíamos ter morrido naquela sala de partos…»

«Quero justiça!»

O casal pretende apresentar queixa contra o Hospital Garcia de Orta. «Até porque o meu marido assistiu a tudo! Quando acabei de ter o menino, estavam a cozer-me toda e ele perguntou se eu estava bem. Responderam-lhe: ‘Se não estivesse bem, ela já não estava aqui…’», relata. «Espero que se faça justiça e vou até à última instância relatar e fazer justiça!»

«Quando saí do hospital, após o parto, sentia-me fraca, sem muita força nas pernas, porque levei epidural e não podia, devido à trombocitopénia. Senti a minha vida vazia por o meu filho ter sido tão esperado e estar ali, naquele cubo completamente ligado de fios e máquinas. Agora, após dois meses, sinto-me uma mulher feliz, mas ainda muito traumatizada devido ao que passei e, sobretudo, o sofrimento que vi o meu filho passar.»

O casal ponderou fazer o parto num hospital privado e hoje arrepende-se de não ter tomado essa decisão. «Depois de ele ter nascido como nasceu, disseram-me que não sabiam que ele era assim tão grande. Mas eu fazia ecografias todos os meses, como não saber? Ele tinha percentil 97 e diziam-me sempre: “O seu bebé é gorducho. Bastante até…” Eu tive muito azar! O meu marido estava sempre a dizer para termos no privado, mas para pouparmos algum dinheiro não o fizemos. Também tínhamos a convicção de que iria correr bem, fomos para o HGO, mas desde a entrada nas urgências até ao parto correu tudo mal! Horrível!»

A jovem não esconde o receio de que o trauma a acompanhe para sempre. «Gostava de ter mais filhos, até porque ainda só tenho 25 anos, mas penso que não terei coragem. Vivemos cada dia com a esperança de que não haja nenhum diagnóstico do nosso Henrique nos próximos anos e que, com o tempo, o seu desenvolvimento torne tudo reversível. Ele é super lindo. Com dois meses e meio sorri muito.»

Henrique, com muito pouco tempo de vida, foi cortado nos dois lados do pescoço, como se pode ver numa das imagens da galeria (no final do artigo). «Estavam à procura de uma veia para um cateter central que depois ficou no peito, onde também tem uma cicatriz», conta a mãe. O menino levou muitas transfusões de sangue, plaquetas, plasmas e fez medicação devido aos rins terem parado de funcionar. «Estava super inchado, chegou a pesar cinco quilos e tal…»

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Atualmente o seu estado é frágil. «Tem o fígado inchado, cérebro mais pequeno e a supra renal afetada. De momento, é o que sabemos! O meu filho está estável, mas é acompanhado em neurologia, fisioterapia física e reabilitação. Tem o cerebelo pequeno e problemas a nível do fígado e rins devido ao parto. Não há diagnóstico de qualquer doença, só com a evolução do crescimento é que se pode ver… Ele é super lindo e fisicamente não tem nada, mas a nível neurológico vai-se vendo com o desenvolvimento…», explica Ana que tem superado tudo graças à sua fé.

«Sentia-me perdida. Nestes momentos pensamos sempre no pior e tinha medo de todas as notícias que pudessem surgir dali para a frente. Mas agarrei-me à fé e pedi muito a Deus e a todos os anjinhos que ajudassem o meu filho. Todos os dias, eu e o pai fazíamos uma reza. O meu filho teve força, muita força para passar por tudo o que passou. É um guerreiro. O nosso guerreiro! Deus ouviu-nos todos os dias. Todos os nossos choros, desespero por notícias menos boas, eu sei que ele estava connosco a dar-nos sempre uma luz de esperança. Acredito nisso!»

Apesar de exigir justiça, Ana consegue sorrir por «ter a sorte» de estar bem acompanhada e apoiada. «Recuperei muito rápido das dores. O meu organismo ajudou. Estou a fazer análises para controlo de plaquetas. Estou na luta contra os 31 quilos que ganhei na gravidez. Muito feliz, realizada e com um homem perfeito ao meu lado. Um exemplo de filho, marido e pai», remata.

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