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Ser cuidador é trabalhar de noite para cuidar de dia do filho com paralisia cerebral… sem ajuda do Estado

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publicado há 6 anos
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Carla Caixinha foi mãe há oito anos de Marcos, que nasceu com paralisia cerebral. Carla faz parte do grupo de mães que se uniu para reivindicar o Estatuto de Cuidador. Porque o Estado «ignora» casos como este. Carla trabalha de noite para cuidar do filho durante o dia. Carla não tem possibilidades financeiras para os inúmeros tratamentos e terapias. Ela precisa da ajuda daqueles que governam este País.

Quer ajudar o Marcos? Visite a página de Facebook criada para angariar fundos e conseguir dar uma melhor qualidade de vida a este menino, depois de ler o forte testemunho de Carla.

Leia o seu testemunho incrível:

Como muitas meninas e jovens, o meu sonho, sempre foi ser mãe, mas como em muitos casos, especialmente para aqueles que tanto o querem, ser mãe, não ia ser uma tarefa fácil para mim.

Desde o meu primeiro ano de ovulação, que o meu corpo não reagia como deveria, a minha menstruação nunca vinha certa e às vezes com atrasos de quatro a cinco meses, o que originou o primeiro grande erro da minha vida. A minha médica de família receitou-me a pílula quando eu tinha apenas 15 aninhos (um erro que mais tarde, viria a tornar-se fatal).

Quando me casei pela primeira vez, com apenas 23 anos, deixei de tomar a famigerada pílula e, ao fim de cerca de um ano, engravidei, tive uma gravidez normal, apenas acompanhada pela médica de família, e trabalhei sempre. Aos sete meses de gravidez dá-se o primeiro grande susto da minha vida… Tive um descolamento de placenta e o Daniel nasceu, antes do tempo, muito pequenino e indefeso, tendo sido levado, mesmo antes de o conseguir conhecer, para longe de mim (foi para a Neonatologia do Hospital de Faro), enquanto eu fiquei em Portimão, porque fiz cesariana e só cinco dias após o parto tive alta e pude conhecer o meu bebé.

Como na altura era representante de um operador turístico e fazia alguns esforços físicos, achámos ter sido essa a razão do descolamento de placenta, juntamente com os médicos, e não pensámos mais nisso.

No fundo, acho que o Daniel me preparou minimamente para o que ainda estava para vir. Depois de muitos sustos e de nunca nos darem certezas, ao fim de cerca de um mês, lá o conseguimos trazer para casa, e hoje é um homenzinho de 18 anos, de quem nos orgulhamos muito.

Depois de alguns desgostos normais na vida e de um casamento desfeito, decidi refazer a minha vida e com 33 anos de idade engravidei novamente. Desta vez trabalhava praticamente sentada o dia todo, era rececionista e assistente de direção do Aldeamento Turístico da Rocha Brava, por isso nunca fazia esforços e tinha a certeza que tudo me iria correr bem, até porque desta vez, além da médica de família, ainda era acompanhada por um excelente obstetra particular.

Engano meu… Aos oito meses de gravidez fui trabalhar normalmente, apesar de uns enjoos e má disposição que pensei ser passageiros, mas que me fizeram abandonar o local de trabalho e correr para o hospital. Algo não estava bem… e não estava mesmo! Mais um descolamento de placenta, desta vez com sérias consequências para o bebé e quase que para mim também…

No dia 29 de janeiro de 2010, dois dias depois do meu 34.º aniversário, o Marcos nasceu, já sem vida, mas foi reanimado. Acordei da cesariana e, mais uma vez, sem o meu filho nos braços. O médico pediatra ainda me disse que não sabia se ele se iria safar e que talvez fosse melhor que não se safasse… (Como se ele soubesse de alguma coisa!).

Depois de muito alvoroço durante o parto, em que tudo nos foi comunicado como se já não houvesse nada a fazer, lá se decidiram a mandar o Marcos para o Hospital de Santa Maria, em Lisboa, onde o aguardava um tratamento experimental, hipotermia induzida, para tentar minimizar as lesões cerebrais.

O Marcos foi o primeiro bebé em Portugal a fazer este tratamento, mas infelizmente, talvez por terem levado muito tempo a decidir mandar o menino para lá, já não conseguiram fazer muito… As lesões eram mais que muitas (afetaram tanto a parte branca, como a cinzenta do cérebro), ou seja, tanto a parte cognitiva como a parte física estão seriamente comprometidas.

Durante os primeiros cinco anos da sua vida, fui obrigada a deixar de trabalhar para acompanhar o Marcos nas suas terapias e tentar ainda alguns tratamentos com a ajuda financeira da população em geral, especialmente do Teatro Boa Esperança, em Portimão, e do Moto Grupo do Arade, que juntos conseguiram cerca de 15 mil euros para um tratamento em Espanha, de hormona de crescimento, que foi bom enquanto durou… Mas sem o dinheiro para continuar especialmente com as terapias diárias, regrediu novamente.

Com 39 anos de idade ainda engravidei novamente, um acidente de percurso como costumo dizer, mas esta gravidez, além de tirar a vida do meu bebé, quase que me levou a minha também, tendo a certeza que a única coisa que me agarrou à vida foi o Marcos e a sua dependência total.

Descobrimos então, pelo terceiro descolamento de placenta, que eu sofro de um síndrome estranho do sangue, síndrome antifosfolípido, ou síndrome Hughes, que é um estado auto imune de hipercoagulabilidade causado por anticorpos dirigidos contra os fosfolípidos das membranas celulares. Este estado provoca uma susceptibilidade aumentada na formação de coágulos intravasculares (tromboses) tanto em artérias como em veias e também complicações obstétricas como abortos espontâneos, morte fetal, partos pré término, ou pré-eclampsia severa.

Completamente proibida de tomar a pílula ou qualquer outro contracetivo hormonal, o DIU seria a única hipótese, mas como a medicação que tomo provoca hemorragias intensas, também não é recomendável. Agora devidamente medicada, parece que já posso engravidar sem riscos para a nossa saúde, minha ou do bebé, mas agora talvez seja tarde demais…

Neste momento, e devido a várias dificuldades financeiras, tive de voltar a trabalhar. Claro que apenas o consigo fazer com a ajuda imprescindível da minha mãe, já com 61 anos de idade, mas que tem sido o meu apoio incondicional.

Trabalho de noite para poder acompanhar o Marcos nas suas muito poucas terapias dadas pelo Estado, já que na escola fazia 30 minutos de fisioterapia por semana e 45 de terapia da fala. Agora que a escola terminou, não tem nada, porque a sua fisioterapeuta no hospital está de baixa de amamentação e não temos ninguém que a substitua… Além das terapias tem também as consultas bi anuais de neurologia pediátrica em Faro, e agora temos de retirar alguns dentinhos com cáries sob anestesia geral.

O Marcos tem Paralisia Cerebral de nível III, com 100 por cento de incapacidade e é completamente dependente de terceiros, para sobreviver.

Atualmente com 42 anos de idade, trabalho na lavandaria do lar de idosos em Portimão. Trato de aproximadamente 200 quilos de roupa por noite, no horário entre a meia-noite e as 08:30. Ganho pouco mais que o ordenado mínimo e tenho cada vez menos força para continuar. Sobrevivo com a ajuda do meu esposo, do meu filho de 18 anos, que dentro do possível nos ajuda a tomar conta do irmão quando ninguém mais está disponível e, claro, da minha mãe, que tem sido outra mãe para o Marcos, mesmo estando doente, com uma depressão e cada vez com menos força!

Somos, neste momento, uma família completamente dependente. O pai, Alberto Fanico, agora com 48 anos, é agente da GNR e também não lhe é facilitado um horário muito flexível. O Daniel, de 18 anos, está a iniciar agora uma vida profissional ativa, tendo cada vez menos tempo para se dedicar ao irmão. A minha mãe, de 61 anos, está neste momento de baixa do trabalho que já tem há mais de 20 anos como auxiliar da ação educativa, com doenças já da idade e do sofrimento que a vida lhe tem trazido… e o nosso Marcos completamente dependente de todos nós!!!

Deixo um pouco nas mãos dos leitores decidirem se esta será ou não mais uma família que necessita do apoio do estado, e de um estatuto de cuidador informal!

Quer ajudar o Marcos? Visite a página de Facebook criada para angariar fundos e conseguir dar uma melhor qualidade de vida a este menino.

 

LEIA AINDA: Estatuto de Cuidadores: É urgente ajudar quem cuida de crianças com deficiência

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