Família

Reencontrámos gémeas que fizeram parte de uma reportagem da Crescer em 2006

Andreia Costinha de Miranda
publicado há 5 anos
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Estávamos em dezembro de 2006 quando saiu a revista número 151 da Crescer.

Nessa publicação, entre muitos outros artigos, saiu uma notícia sobre os “Cuidados neonatais ao serviço dos prematuros” onde Orlanda, mãe das gémeas Cátia e Rafaela, que nasceram às 27 semanas, esteve 62 dias com as meninas.

A reportagem sobre os "Cuidados neonatais ao serviço dos prematuros"
A reportagem sobre os “Cuidados neonatais ao serviço dos prematuros”

 

Hoje, alguns anos depois desta reportagem, e por forma a celebrar o primeiro aniversário do site Crescer, conversámos com a mãe destas meninas que nos recordou aqueles tempos e nos deu a conhecer o que as gémeas disseram quando souberam que eram elas naquela reportagem.

Leia a entrevista e surpreenda-se.

 

Site Crescer – Como recorda a altura em que as suas filhas nasceram, às 27 semanas?

Orlanda Ramos – Recordo sempre, não com alguma, mas com bastante emoção, o nascimento das minhas filhas e ainda hoje, tenho um espaço muito especial na minha memória de cada momento. Se por um lado gostaria de esquecer, em consequência de todas as particularidades inerentes ao sucedido, por outro, gosto de o relembrar pois dão-me forças para continuar a “lutar”, qualidade esta que, com toda a certeza, transmiti às minhas filhas, porque elas são umas pequenas grandes “lutadoras”.

Na altura foi o desconhecido, o inesperado, a incerteza, tudo parecia um sonho, que teimava em tornar-se pesadelo. Residentes em Sines, Alentejo, onde não existia e ainda não existe maternidade, aos primeiros sinais de alarme, fui encaminhada para o centro de saúde, no qual se verificou a inexistência de recursos humanos e materiais, o que viria a ditar o encaminhamento urgente para o Hospital de Setúbal.

Presentemente, posso afirmar que o meu subconsciente não queria aceitar que as meninas iam nascer… Não estava preparada e essa ideia nem me passava pela cabeça. Só tomei consciência da gravidade da situação quando, na viagem, comecei a sentir muitas dores, obrigando-nos a procurar outro Centro de Saúde, em Grândola. E aí sim, percebi que elas não podiam nascer.

Recordo o olhar das enfermeiras e médica. Tentavam tranquilizar-me ao afirmarem de que tudo iria correr bem. Seguimos para Setúbal, já numa ambulância do INEM e, ao chegar ao hospital, tinha já uma equipa à minha espera!

E elas nasceram… de parto normal! Recordo-me da minha preocupação com o bem-estar das minhas filhas e de ainda alvitrar que não estava na altura de nascerem. Não sei como, mas estive sempre calma, porque para mim aquele momento não estava a acontecer.

A primeira gémea, a Cátia, foi imediatamente transportada para a maternidade Alfredo da Costa a outra gémea, a Rafaela, mais tarde também a encaminharam para junto da irmã.

Aí sim, senti um vazio e tudo a desmoronar-se ao meu redor. Tanto tempo a “carregar” com tantos cuidados e carinho as minhas filhas, de uma primeira gestação, tão desejadas, de um amor tão grande e, num abrir e fechar de olhos tudo se dissipou!

Não fiquei sozinha, pois o meu marido esteve sempre presente, mas questionava-me porquê a mim, porquê as minhas filhas? Tristemente recordo do pessoal médico vir cumprir a sua função, muitas vezes também bastante ingrata para eles, dizendo que tínhamos de estar preparados…

Mas, eu não queria estar preparada para a situação que se previa, queria estar na minha casa, essa sim tão bem preparada para receber as minhas filhas! A nossa vida ai deu uma volta de 180 graus . Tudo mudou!

Rafaela e Cátia quando nasceram
Algumas memórias de Rafaela e Cátia quando ainda eram bebés
Na altura a Orlanda teve de se mudar para Lisboa, ficando longe do seu companheiro. Como foi essa fase?

Foi bastante complicada pois tivemos de mudar, totalmente, a nossa vida. A minha angústia, a minha ansiedade, e muitos mais desejos e emoções eram tantos e tão misturados que quando saí do hospital nem fui a casa. Simplesmente, queria estar com as minhas filhas que estavam internadas na Maternidade Alfredo da Costa nos Cuidados Intensivos.

Nada me fazia demover de as deixar “abandonadas” em Lisboa e eu ir para Sines a 162 quilómetros de distância. E nós mães, pelos nossos filhos, vamos arranjar forças onde pensamos não existir e soluções impossíveis que tornamos possíveis. Como tal, alugámos um quarto perto da Maternidade. Desta forma, podíamos ir a qualquer hora à Maternidade .

Mas, a vida continuava e as despesas aumentavam. Com o coração apertado, o meu marido teve de regressar ao trabalho. E aí lá vem o velho ditado: “Quem tem uma mãe, tem tudo!” Eu posso dizer, com muito orgulho e sempre agradecida: “Quem tem pais, tem tudo!”. Foram, são e serão eles o meu suporte familiar, que nos momentos menos bons souberam e sabem (re)erguer-me. Na ausência do meu marido ficavam eles comigo, em Lisboa.

Foram tempos difíceis, mas a esperança era muita e o amor também. Incertezas muitas, mas era necessário viver um dia de cada vez e agradecer todas as vitórias diárias de mais um dia que passava e que elas aguentavam.

Nem sequer tive tempo de me inteirar bem do perigo que elas corriam, pois não sabia, corretamente, o significado de ser prematuro. Tinha consciência da fragilidade delas, que seria um período demorado de desenvolvimento, mas não fazia a mínima ideia do que ainda iria acontecer.

O que de melhor e pior recorda desses tempos passados na maternidade?

De pior… só mesmo o facto de estarem internadas. Apesar de tudo, sentia que podiam contar com todos: enfermeiros, médicos psicóloga… sentia confiança, carinho… há momentos que recordo com alguma emoção.

Em especial, e de melhor, recordo com algum carinho, um dia que estava com o meu marido no corredor da maternidade perto das meninas e se aproximou um bombeiro, que se dirigiu ao meu marido pois tinha-o reconhecido. O bombeiro vinha saber da bebé que tinha transportado do hospital São Bernardo para a Maternidade Alfredo da Costa.

A sua curiosidade baseava-se no facto de se ter apercebido da bebé ser tão pequenina que se tinha agarrado ao dedo da médica. Mas, também disse que ao olhar para ela apercebeu-se da luta que travava pela sua sobrevivência e que ficou muito impressionado. Essa imagem permanecia na sua cabeça, pelo que procurava notícias da bebé.

Foi muito bom ouvir aquele relato. Foi um conforto inesperado. Tal como nós, eu e o meu marido, também alguém se apercebeu de que elas eram “lutadoras”.

As gémeas são exemplo de superação
As gémeas são exemplo de superação
Quanto tempo elas estiveram internadas?

62 dias, certos.

Quando foram para casa, como foi a adaptação à nova vida com duas crianças?

Quando me disseram que as minhas filhas poderiam ir para casa, fiquei radiante mas, confesso que o pânico também se instalou em mim.

Pensava que aqueles seres tão frágeis, ainda, ali estavam seguras. Tinham os médicos e os enfermeiros se alguma coisa corresse menos bem. Quem é mãe pela primeira vez, já sentiu o mesmo que eu, mas eu tinha a agravante de elas serem prematuras e com todo aquele historial.

De “ovinhos” no braço, lá fomos nós com as nossas filhas, deixando para trás um período muito conturbado, mas numa instituição onde sempre sentimos que não estávamos sozinhos. Éramos uma família a trabalhar na mesma direção.

Nesse dia resolvemos ficar no quarto que tínhamos alugado, pois estávamos perto do hospital. O receio de regressar a casa e estar longe dos médicos era assustador.

Mas juntos, conseguimos… Chegar a casa com dois bebés muito pequeninos, e adaptarmo-nos à nova vida dos biberões, das fraldas… Criar uma rotina nova, em duplicado, mas olharmos e amarmos aquelas meninas também era em duplicado. Mas, tudo isso foi fácil comparado com o que muitas vezes questionava: como era possível estarmos ali?!

Como foi o crescimento das meninas? Como foram prematuras tiveram algum acompanhamento especial?

Sim, tiveram e continuam a ter acompanhamento, no São José, em oftalmologia e no Hospital Dona Estefânia ao nível da Neurologia, pois ambas têm epilepsia. Além destas situações, somente a Cátia é ainda acompanhada em fisiatria.

A Rafaela não tem qualquer problema neurológico nem motor, ao contrário da Cátia que tem doença motora espática, predominante nos membros inferiores e no membro superior direito e como consequência tem uma marcha com limitação, mas é autónoma. Desde que nos apercebemos deste problema, a Cátia faz fisioterapia.

O facto de elas estarem bem é mérito delas, que lutaram por isso e quiseram sobreviver. Para nós é recompensador vê-las felizes, pois tudo o que passamos não tem comparação possível ao que elas passaram.

Hoje, a Cátia e a Rafaela têm 12 anos. Como caracteriza as suas meninas?

São umas meninas bem dispostas, colaborantes e amigas. Têm encontrado algumas barreiras e desafios que ultrapassam a seu tempo e à sua maneira, sem qualquer tipo de preconceito. Principalmente a Cátia, que não esconde o problema que tem. São felizes e satisfeitas com a vida que levam.

O que é que elas dizem das imagens da revista Crescer onde apareceram tão pequeninas? 

Quando olharam pela primeira vez para a revista ficaram muito surpreendidas. Apesar de saberem das suas “histórias”, penso que só aí tiveram consciência da realidade porque passaram. Penso que foi um modo de ganharem forças e dizerem: «Nós também conseguimos!» Em modo de brincadeira costumam dizer «tivemos muita pressa em nascer».

As gémeas são lutadoras e umas meninas cheias de energia
As gémeas são lutadoras e umas meninas cheias de energia
Hoje, passados 12 anos, voltam a aparecer na Crescer – desta vez no site – não só pelo aniversário, mas acima de tudo para mostrar que são um caso de prematuridade de sucesso. Como mãe, quais são os conselhos que a Orlanda dá a mães que passem por aquilo que a Orlanda passou na altura em que as meninas nasceram?

Como já disse anteriormente, nós mães, vamos buscar força onde parece não existir. Por isso, o meu conselho mais importante é nunca desistir, serem fortes e acreditar. Chorar quando precisamos, pois a chorar também se ganham forças, mas sorrir na esperança de melhores dias.

Outro aspeto fundamental é a união do casal. Várias vezes o desespero pôs–nos à prova, mas continuámos unidos e sempre prontos a ultrapassar qualquer barreira que possa surgir.

Não posso deixar de referir o amor entre nós, pais, e o amor pelas nossas filhas, que é um meio facilitador para todas as famílias. Muito importante é não se sentirem culpadas por não terem conseguido que a gravidez fosse até ao fim. Quando isso acontecer, lembrem-se… “É tão bom ser mãe!”

A Rafaela e a Cátia dizem o que é para elas Crescer…

Sou a Rafaela e sou crescida, apesar de ter nascido pequenina. Cresço quando vou à escola, quando estou com os amigos, quando estou com a minha família. Sou feliz a crescer.

Sou a Cátia e para mim crescer é evoluir, é aprender. Como todos os dias aprendo… então estou sempre a crescer.

Para estas jovens, Crescer é, acima de tudo, aprender... e viver!
Para estas jovens, Crescer é, acima de tudo, aprender… e viver!

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