Família

«A primeira vez que o meu filho me chamou pai foi quando me foi visitar à prisão»

Redação
publicado há 5 anos
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João de Sousa tem 45 anos, é psicólogo e ex-Inspetor da Polícia Judiciária. Há quatro anos viu a sua liberdade condicionada e, por conseguinte, a sua vida mudar para sempre, ao ser condenado a cinco anos e meio de prisão pela prática dos crimes de corrupção passiva e violação do segredo de funcionário.

Durante dez anos, João de Sousa lidou diariamente com o mundo do crime… não sendo a realidade que empurra um criminoso para trás das grades, uma novidade para si.

Contudo, ao ter de viver numa cela de apenas 9 m2 percebeu que a imagem que tinha criado, ao longo dos anos, daquele espaço se revelava bem diferente.

O ex-Inspetor da Polícia Judiciária esteve quatro anos, oito meses e 22 dias preso no Estabelecimento Prisional de Évora. Privado de liberdade e do contacto com a família e amigos, João de Sousa refere o que foi mais difícil na separação dos filhos.

«O meu filho não me identificava como o pai»

Pai de duas meninas, de 16 e 12 anos, e de um menino, de cinco, o também psicólogo não pôde acompanhar parte do crescimento dos três filhos, principalmente do mais novo que nasceu quando João de Sousa já estava preso.

«Na altura, a mãe dos meus filhos estava grávida do último e eu assisti ao parto de todos e naquele não pude estar presente», conta, referindo ter sido «terrível» a separação dos filhos, «como deve ser para qualquer pessoa que tem como referencial e como um dos pilares a família.»

«”Oh pai olha aqui”»

Para João de Sousa, não poder estar presente e acompanhar os primeiros quatro anos de vida do filho mais novo foi um misto de emoções. Perceber que o João mais pequeno lá de casa não o reconhecia como pai foi «terrível», mas a verdade é que este conseguiu surpreendê-lo, num episódio que o ex-Inspetor da Polícia Judiciária recorda como feliz dentro da prisão.

«Vou-lhe contar um momento alegre que tive na prisão. As irmãs dele estavam sempre, contava-me a mãe, em casa a dizer “vamos ver o pai” e o meu filho não me identificava como o pai. Era um indivíduo que ele ia ver à prisão. Nunca me chamou pai. Até que há um dia em que está distraído na cadeira e nós estamos a conversar e ele diz “oh pai olha aqui”. A primeira vez que o meu filho me chamou pai foi quando me foi visitar à prisão. Isto foi ao fim para aí de um ano e tal, e eu disse: “eu tenho que ir lá dentro à casa de banho”. Fui ter com o guarda, fui à casa de banho e o que eu fiz foi fechar-me dentro da cela a chorar que nem uma “Madalena arrependida”. De alegria, de tristeza, de descompensação, de tudo mais, porque o meu filho me tinha chamado pai», confessa.

«A mais nova perguntou-me se era mau» [porque estava preso]

Quando questionado sobre como foi para duas crianças de 12 e 10 anos, na altura, lidar com o afastamento do pai, João de Sousa explica que «foi sempre muito pacífico.» «Recordo-me que, quando foram lá, eu tive uma conversa com a mais velha e disse-lhe: “filha, percebeste onde é que estás?”. E ela disse: “eu li lá fora “estabelecimento prisional”” e perguntou: “estás preso?”. E eu disse: “sim, estou preso”. Ela perguntou-me: “mas estás preso porquê?”, ao que eu respondi: “estou preso porque os colegas do pai consideram que o pai praticou um crime”. “Então mas tu não és polícia?”, perguntou-me. E eu respondi: “sim, mas os polícias são homens e cometem crimes e os colegas do pai consideram que o pai praticou um crime”.  A mais nova perguntou-me se eu era mau e eu disse: “filha, só sou mau quando tu te comportas mal, não é agora por estar dentro da prisão”. E ela disse “mas aqui não é onde estão os maus?” e eu disse: “estão! Estão os maus e o pai”», descreve, acrescentando ainda: «Foi muito perturbador mas como eu tenho uma família maravilhosa, uma rede de apoio fabuloso, toda a gente me apoiou», descreve.

Nunca assumiu a culpa por um dos crimes

João de Sousa foi libertado cerca de 10 meses antes do fim do cumprimento da pena. Nunca assumiu a culpa pelo crime de corrupção passiva, o que não lhe permitiu que saísse da prisão mais cedo. No entanto, o desejo de regressar para os braços da família abalaram, vezes sem conta, a sua estabilidade emocional.

«Vivi dramas enormes dentro da cela, em profunda elucubração, pensando se não seria melhor eu fazer aquilo que queriam. Pensei se não ia perder a família porque estava a ser teimoso. Pensei se seria teimosia ou seria defesa dos valores. Foi muito complicado porque eu ia vendo os anos passar e eu não conseguia nunca ir para casa com pulseira. Eu sabia que ia ser condenado. Percebi logo que só podia ser condenado por uma promessa, o que é uma coisa inacreditável», termina.

 
Texto: Marisa Simões

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