Poucos ficaram indiferentes à imagem que se tornou viral nas redes sociais de um inquérito feito a alunos do 5.º ano da Escola Básica Francisco Torrinha, no Porto. A turma terá recebido uma ‘ficha sociodemográfica’ no âmbito da disciplina de Cidadania que continha perguntas como: «Namoras atualmente?», «Já namoraste anteriormente?» ou «Sinto-me atraído/a por: homens, mulheres ou ambos?».
Foram muitos os pais que se mostraram chocados com este tipo de questões, obrigando o Ministério da Educação a intervir.
«O Ministério da Educação não conhecia o inquérito em questão. Sabe-se, para já, que é um caso isolado. O ME está a apurar informação junto do estabelecimento escolar em causa», lê-se na resposta da tutela.
Contactada pela Lusa, a Associação de Pais indicou a intenção de realizar uma reunião com a coordenação da escola para clarificar o caso, não pretendendo, antes disso, fazer declarações sobre o assunto.
«Jovens homossexuais? Pelo amor de Deus, são crianças. Com esta idade? Nesta idade a hiper-sexualização forçada só vai gerar indivíduos disfuncionais», lê-se num dos comentários na rede Twitter.
«O diretor desta escola devia ser sumariamente afastado do cargo por permitir isto. Desde quando num país como o nosso interessa se é gay ou hetero? Interessa, sim, o caráter da pessoa, os valores, a posição na sociedade e na comunidade em que vive. O resto é resto», afirmou outra seguidora na publicação.
As opiniões dividem-se. Há também quem defenda e tente justificar a atitude da escola em fazer este tipo de perguntas. «Fazer os alunos pensar a sua sexualidade. Mostrar que há diferenças e que não é errado. Sinalizar alunos alvo de bullying homofóbico. Combater a discriminação desde o início da sexualidade», refere um dos cibernautas.
«O primeiro passo para uma sociedade tolerante para com estas questões é a aceitação e afirmação por parte dos jovens do que sentem face à sociedade… Não acho que as idades para as quais o questionário foi direcionado fossem as corretas, mas não vejo problema algum com o facto do questionário ser dado numa escola aos alunos», escreveu outro.
O site Crescer tentou entrar em contacto com a Escola Francisco Torrinha, mas sem sucesso.
Psicólogas reagem
Quisemos saber a opinião de duas psicólogas sobre esta temática. Afinal deverão os professores abordar o tema da sexualidade nas escolas? E de que forma?
Para a psicóloga Carla Pereira, é importante que os professores abordem a sexualidade com os alunos, tendo em atenção a faixa etária e «desde que no contexto definido, por professores com formação e com os objetivos definidos na lei.»
«A pergunta feita ao aluno de nove anos não faz qualquer sentido, tendo em conta a forma como esta temática deve ser abordada por crianças desta idade. Ainda que estivéssemos a falar de um adolescente, continuaria a não fazer sentido à luz do que deve ser a educação para a sexualidade nas escolas», critica a especialista.
A psicóloga, do projeto Fale Connosco – Saúde Personalizada, já tinha redigido um artigo para o nosso site sobre o assunto, explicando a importância da intervenção dos pais na educação sexual das crianças.
Leia o artigo aqui: Sexualidade: A aprendizagem consoante as faixas etárias
«As questões ligadas à sexualidade estão presentes na vida das crianças desde muito cedo, fazendo parte do seu desenvolvimento e, como tal, esta é uma temática que não deverá ser ignorada pelos pais. (…) É importante responder às questões da criança, de forma adequada à sua faixa etária, e explorar com ela as diferentes partes do seu corpo e as respetivas funções. Desta forma, a criança vai aprendendo a respeitar e a lidar de forma natural com o seu corpo. Esta é a base do desenvolvimento de cuidados com o corpo e hábitos de vida saudáveis», afirma.
Para Carla Pereira, ainda em idade escolar, «é importante ajudar as crianças a compreender as transformações que ocorrem na puberdade, na sua dimensão biológica e emocional, e ajudá-las a lidar com essas mesmas transformações.»
«Obviamente que a educação para a sexualidade nas escolas deverá ser levada a cabo por professores com formação específica e com a colaboração de outros profissionais e entidades competentes neste domínio. Os conteúdos a abordar em cada faixa etária, por nível de escolaridade, estão claramente definidos e devem ser respeitados, indo assim ao encontro das características desenvolvimentistas das crianças acima referidas», refere a psicóloga.
Para a psicóloga Alexandra Rosa, também do projeto Fale Connosco – Saúde Personalizada, a educação para os afetos e para a sexualidade é de caráter «obrigatório» nas escolas. «Não se poderia deixar de lado uma dimensão tão importante da vida humana, que nos vai acompanhar ao longo do nosso percurso, desde o dia em que nascemos. A abordagem deverá ser transversal às diferentes áreas disciplinares e envolver não só professores e educadores como técnicos (psicólogos, técnicos de serviço social, etc.), saúde escolar, pais e claro os alunos», explica a especialista.
A temática da sexualidade e da educação sexual em geral deve, segundo a psicóloga, ser abordada de «forma adaptada e progressiva», tendo em conta a idade e desenvolvimento da criança/jovem. «A forma como se trabalha estas áreas não é a mesma no pré-escolar, no ensino básico ou no ensino secundário. É uma abordagem ampla e vasta que abrange desde a noção de autoestima, o conhecimento corpo, higiene, afetos, identidade, igualdade de género, respeito pelo outro, comunicação, violência… enfim não se reduz à genitalidade, a métodos contracetivos ou prevenção de doenças sexualmente transmissíveis», refere.
Demarcando-se da polémica, Alexandra Rosa considera fundamental responder às dúvidas dos mais novos, em vez de questioná-los diretamente sobre determinado assunto de teor sexual. «Estes conteúdos devem ser desenvolvidos sempre a partir das questões que as crianças/jovens colocam, das suas necessidades e das suas dúvidas, escutando o que eles sabem ou que ouviram, as suas curiosidades e parte-se desta base, dando-lhes respostas adequadas tendo em conta a sua idade e maturidade afetiva. Na realidade são eles que conduzem os temas e determinam a velocidade a que avançamos e progredimos nas informações. Na minha opinião o ideal é promover reflexões partilhadas e dinâmicas de grupo e não a simples exposição de informações que podem não fazer ainda sentido para a criança», sublinha.