Educação

Polémica do beijinho aos avós: O julgamento nas redes sociais

Filipa Rosa
publicado há 6 anos
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A polémica instalou-se no programa da RTP Prós e Contras com a intervenção sobre consentimento sexual do professor universitário Daniel Cardoso, que tem sido alvo de duras críticas nas redes sociais (veja aqui o vídeo). «É preciso falar de educação de forma concreta. A educação é quando a avozinha ou o avozinho vai lá a casa e a criança é obrigada a dar o beijinho à avozinha ou ao avozinho. Isto é educação, estamos a educar para a violência sobre o corpo do outro e da outra desde crianças», referiu aquele que em poucos minutos foi claramente condenado e julgado em praça pública.

A declaração incendiou as redes sociais, apesar das opiniões se dividirem. Há pessoas indignadas e outras que percebem a intenção daquilo que foi dito. Mas afinal o que está em causa?

«Obrigar alguém a ter um gesto físico de intimidade com outra pessoa como obrigação coerciva é uma pequena pedagogia que depois cresce e depois vemos os estudos em que 49 por cento dos jovens adolescentes acham aceitável que o namorado ou a namorada lhes controle os telemóveis», acrescentou o docente, que dá aulas na Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologia e na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa.

Opiniões das mães dividem-se

Nos grupos de Facebook 4Mom’s e 4Mom’s Coimbra, que contam com cerca de 11.300 e 8.800 mães respetivamente, as opiniões dividem-se. Muitas delas criticam as declarações de Daniel Cardoso. Mas há também quem perceba aquilo que defende. Eis algumas respostas para o site Crescer.

«Os meus pais teriam um desgosto enorme se os meus filhos (ou qualquer outro neto) não os cumprimentassem com dois beijinhos e, sinceramente, eu também. Não acho que seja violento, nem um abuso, obrigar um neto a dar dois beijinhos aos avós. Mas, claro está, os meus filhos têm os melhores avós do mundo,nem todas as crianças têm essa sorte!», escreveu Alexandra Anselmo.

Da mesma opinião é Ana João Cardoso: «Eu ensino os meus filhos a darem beijinhos aos avós que é a forma como os cumprimentamos normalmente. Eles por imitação fazem-no sem pensar muito. Acho que será assim na maior parte das famílias funcionais ou com a maior parte do miúdos. Faz-se por ser uma convenção e as crianças aceitam-no sem problemas.»

Imagem partilhada por vários cibernautas

M. Clara Camacho ressalva que pessoas que a filha não conhece só lhe diz para cumprimentar. «Já a família indico que deve dar beijinho, mas se ela não quiser, respeito: mas tem de cumprimentar. Se a forçasse, nem o beijinho tem valor, nem ela o ia aprender como uma demonstração de carinho. Lá porque eu conheço a tia-avó, não quer dizer que ela conheça… Familiares não só concordam como promovem este comportamento», afirmou.

Também Francisca Saragoça Mendes não poupa críticas ao professor universitário. «Imbecilidade completa a opinião desse senhor. Não ensinem as crianças a dar beijinhos, nem a levantar-se quando uma pessoa mais velha está de pé, nem a dar passagem a pessoas mais velhas, nem a saber estar quietos numa sala de espera, nem a estar sentados nas aulas. Tudo isso é violência sobre elas. O absurdo a que se chegou era tema, esse sim, para uma aprofundada tese de doutoramento», defende.

Para Margarida Coimbra, a polémica «acabou por resvalar para um tipo de falácia muito comum. Não se discutem as ideias, discute-se a pessoa. Ensino os meus filhos a cumprimentar as pessoas. Não os obrigo a dar beijinhos. Fica ao critério deles.»

O que está em causa

Apesar das críticas, muitas mães consideram que a mensagem de Daniel Cardoso foi mal interpretada.

«É importantíssimo ensinar a criança a noção de consentimento. Se ela acha normal que a obriguem a dar um beijo sem ela querer seja a avó ou ao papá, um dia ela também vai achar normal que o amigo do pai lhe toque onde não deve. O respeito pelo seu corpo e intimidade, assim como o consentimento, devem ser preservados. E a criança deve saber que pode exigir isso», escreveu Maria Rocha.

Para Cláudia Moreschini «ninguém deve ser obrigado a beijar ou a estabelecer qualquer contacto físico caso não queira. Eu não vou obrigar o meu filho a beijar ou abraçar, ela fá-lo-a se quiser. Uma coisa é cumprimentar e ser bem educado, outra coisa é forçar contacto físico», referiu a cibernauta, cujas palavras foram subscritas por Sílvia de Oliveira Diaz. «Não vou obrigar o meu filho a dar beijos a ninguém, mas vou ensinar-lhe educação e cortesia. Quanto aos avós, ele recebe tanto amor deles que lhes dá beijos por sua vontade, como forma de retribuir o carinho que recebe, nunca forçado, e é assim que deve ser.»

Raquel Maricato foi parca em palavras, preferindo transcrever um texto de Vânia de Jalles Carvalhas, profissional de educação:

«Daniel Cardoso tocou num ponto muito sensível mas que, na verdade, tem o seu fundamento, e pode ser CRUCIAL na prevenção ou promoção do abuso e violência sexual. Se queremos que a criança respeite o seu corpo e o corpo do outro temos de respeitá-la também, sempre e desde sempre. O beijo é um ato de afeto e intimidade, nunca deve ser forçado. Pode e deve ser pedido. Seja a uma criança ou a um adulto. É aqui que entra a definição de CONSENTIMENTO.

Quando uma criança não quer beijar alguém (seja a avó, um desconhecido, ou o pai) e é obrigada a fazê-lo o que estamos a transmitir é que é mais importante agradar ao outro do que respeitar o nosso corpo. Que o não, só é não, quando o outro é mais fraco que nós. Que, às vezes, a nossa integridade pode ser violada e que não é tão importante assim. E como é que se obriga uma criança a dar um beijo? Coagindo-a, fazendo chantagem emocional. ‘Não sais daqui enquanto não deres um beijinho à avó!’, ‘Se não me deres um beijinho não gosto de ti!’, ‘Tens de lhe dar um beijinho porque ele é teu tio.’

Depois temos o ‘se não me dás a mim, dou-te eu a ti’ mesmo que a criança também não queira receber. E aqui estamos a mostrar literalmente que é justificável violar o espaço/corpo do outro em detrimento da nossa vontade. Que o mais forte ou o que tem mais poder, tem o direito de impor a sua vontade.

As estatísticas apontam para um maior abuso sexual no seio das relações familiares, por isso não fiquemos tão ofendidos quando alguém faz afirmações tão pertinentes como esta e que são sustentadas por vários estudos.

Que se ensinem as crianças que,para serem educadas, não precisam de desrespeitar os seus limites pessoais. ‘Olá’, ‘Bom dia’, ‘Como está?’, ‘Obrigada’, ‘Adeus’, são educação. Beijos, abraços ou outros toques forçados, não!’»

A opinião de uma educadora de infância

O site Crescer quis saber a opinião de uma educadora de infância. Para Leonor Santos Costa, a polémica declaração do professor universitário não faz qualquer sentido. «Na minha opinião, como mãe e como educadora, é evidente que as crianças devem dar beijinhos aos avós. Devem mesmo ser ensinadas a fazê-lo no caso de não surgir espontaneamente, o que na maior parte dos casos até acontece. As crianças devem ser ensinadas a cumprimentar e a despedirem-se convenientemente dos mais velhos. No caso dos avós com beijinhos. Por educação, por respeito e pelo carinho e consideração que devem ter pelos avós», considera.

«As crianças precisam de regras, de limites, de saberem o que podem e não podem , para crescerem seguras, conscientes do que se deve e não se deve fazer. É precisamente esta estabilidade que lhes é proporcionada por regras de educação e sociais que lhes vai permitir crescer com recursos emocionais para se tornarem jovens e adultos com uma boa auto estima e não permitirem as situações que o professor universitário refere que se passam na adolescência e na vida adulta por saberem que não são corretas. Dar beijinhos nos avós não só não é uma violência como é uma obrigação dos pais orientar neste sentido, será uma violência não o fazer.»

Leonor Santos Costa acrescenta: «O que leva um professor universitário a ter uma opinião destas eu não faço ideia, mas é preocupante que alguém na sua posição tenho este tipo de discurso.»

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