A mesa está repleta de guloseimas e todos estão alegremente sentados a comer, a rir e a conversar. Este é o pequeno-almoço das publicidades. É a expectativa.
A mesa está repleta de miolos de pão, migalhas, bolachas mordidas, leite na toalha e chocolate em pó espalhado pela toalha da mesa. O filho mais novo chama-nos. Nós estendemos mecanicamente a mão e ele cospe-nos um pedaço de bolo que não gostou. Esse é o pequeno-almoço de uma família com crianças. É a realidade.
O sol entra pela janela do carro e todos cantam, alegremente, uma canção enquanto o carro anda pela estrada rumo às tão desejadas férias. É a expectativa.
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O sol entra pela janela do carro e a filha mais nova reclama que a claridade a está a incomodar. A filha mais velha reclama que está a demorar a chegar ao destino e o marido está irritado porque não consegue sintonizar o rádio para ouvir o jogo de futebol.
Eu tento, em vão, encontrar uma pastilha dentro da mala, mas encontro apenas batom, chaves, moedas, o resto de um biscoito, e a parte de cima de um biberão. É a realidade.
Chegamos da maternidade a segurar o nosso bebezinho no colo. Depositamos a nossa pequena preciosidade no berço e ele dorme tranquilamente por um bom tempo enquanto nós conseguimos dormir um pouco até a próxima mamada. É a expectativa.
Chegamos da maternidade a segurar o nosso bebezinho no colo e reconhecemos ter, finalmente, chegado a casa, quando ele começa a gritar de fome. Só temos tempo de levantar a blusa, tirar o soutien e saciar aquela fome avassaladora. Este procedimento repete-se de hora em hora, até ao momento em que nos esquecemos de ajeitar o soutien e baixar a blusa. Está sempre a postos. É a realidade.
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O casal está pronto para um jantar maravilhoso, a dois, à luz de velas, a fim de comemorar mais um ano juntos. É a expectativa.
O casal pede uma pizza para comer em casa na companhia dos filhos, a fim de comemorar (quando se recordam) mais um ano juntos. É a realidade.
Não, não é fácil encarar a realidade. Ela mostra-nos que sonhos existem e podem ser realizados, porém, não há perfeição. E no nosso dia-a-dia com as crianças há mais imperfeição do que perfeição. Será? Tudo depende do nosso olhar…
Talvez a casa dos sonhos esteja sempre arrumada, limpa e impecável, mas não tem a vivacidade, o barulho e a alegria que só uma casa com crianças e brinquedos espalhados pela sala pode proporcionar.
Talvez a viagem de carro para umas merecidas férias não seja tão tranquila como nós tínhamos idealizado, mas ver os nossos filhos a brincarem alegremente na areia ou a correr em direção ao mar quando chegamos ao destino eleito, fazem o nosso coração pulsar de pura paixão pela vida.
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Talvez as refeições fossem mais tranquilas e menos caóticas se nós pudéssemos jantar tranquilamente e degustar o nosso prato preferido ao som de uma música, em vez de sermos interrompidos a cada dois segundos para chamar a atenção de um, ralhar com o outro, ou arranjar conversa sobre «como foi o dia na escola.» Talvez, talvez… Mas seríamos, seguramente, mais solitárias, e menos felizes.
A grande verdade é que, passado o alívio inicial de uma casa em silêncio porque os filhos estão na escola ou a brincar na casa de um amiguinho, os nossos ouvidos treinados começam, aos poucos, a sentir saudades de ouvir alguém a gritar «Mãeeeeee» e da euforia e adrenalina que os filhos proporcionam às nossas vidas. Não é à toa que existe a tão famosa “Síndrome do Ninho Vazio”. Ela sintetiza com perfeição tudo o que estas poucas linhas quiseram transmitir.
E espero que a minha realidade seja sempre repleta de expectativas frustradas pela vivacidade que só as minhas filhas sabem oferecer…
Texto: Marcella Bisetto, mãe, advogada e escritora apaixonada
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Autora do livro (disponível nas lojas Amazon, em versão digital, no mundo inteiro)