Bebés/Crianças

Maria Ervilhinha nasceu com uma síndrome rara e os tratamentos rondam os 20 mil euros por ano

Filipa Rosa
publicado há 5 anos
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A Maria foi uma bebé muito desejada pelos pais. Mas a vida encarregou-se de pregar uma partida ao casal. Com 20 meses foi-lhe diagnosticada Síndrome Phelan McDermid. Há apenas 1200 pessoas com este problema no mundo e 14 casos em Portugal. O site Crescer falou com a mãe, Marta Leite, que nunca baixou os braços.

Maria tem cinco anos e nasceu com uma Cromossomopatia. Com 20 meses foi-lhe diagnosticado uma Monossomia 22, que se traduz numa alteração/mutação do cromossoma 22. Muitas palavras desconhecidas do vocabulário da maioria das pessoas que passaram a fazer parte da vida dos pais desta menina. «No caso específico da nossa pequenita, houve uma deleção muito significativa deste mesmo cromossoma. Cientificamente, este quadro genético dá pelo nome de Síndrome Phelan McDermid (PMS). Trata-se de uma condição especial diagnosticada a cerca de 1200 pessoas em todo o mundo. Existem cerca de 14 casos em Portugal. A Maria é a mais nova e a que tem um maior “apagão” do cromossoma 22», explica-nos Marta, indicando os principais problemas de saúde da filha.

«Além de comportamentos de espectro autista, as principais características do PMS são o atraso global do desenvolvimento neurológico, psicomotor e cognitivo, hipotonia muscular, alta tolerância à dor, crescimento acelerado, necessidade permanente de mastigação e mordida, desregulação da temperatura corporal e atraso/ausência de fala. Problemas gastrointestinais, renais, respiratórios, cardíacos, oftalmológicos e imunológicos também podem estar presentes, com maior ou menor gravidade, consoante o tamanho da deleção cromossomática.»

Esta doença não foi detetada na gravidez nem à nascença. O diagnóstico pessoal da Maria traduz-se numa deleção grande. No entanto, tem contrariado as expectativas. «O seu desenvolvimento tem derrubado muitas barreiras, graças ao investimento nos ciclos intensivos terapêuticos. Com um investimento económico enorme, e permisso pela boa vontade de um grupo de pessoas que se junta à nossa causa, ela já adquiriu alguma mobilidade e competências até então “adormecidas”…», conta-nos a psicóloga, referindo-se à página que criou chamada O Reino da Maria.

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Neste momento, segundo nos explica a mãe, a Maria não fala, mas demonstra perceber as coisas ao seu redor; apresenta atraso cognitivo, dificuldade postural e equilíbrio na marcha; dificuldades na deglutição. Está facilmente sujeita a infeções do trato respiratório. Faz uma máquina diariamente, pelo menos duas vezes por dia (Cough Assist), para estimular as secreções a subirem e não ficarem depositadas nos brônquios nem pulmões. Toma suplementos vitamínicos para estabilizar o seu sistema imunológico. A regulação da temperatura corporal da Maria é instável, o que faz com que exista especial atenção aos seus movimentos mais dinâmicos (como saltar, ou dançar) e às condições climatéricas onde se encontra (o próprio calor pode desencadear febre, e posteriores convulsões febris).

O choque e a aceitação

O início desta luta foi complicada. Marta recorda e lamenta a forma como trataram a sua menina no começo desta dura caminhada. «Foi uma luta muito desgastante com a classe médica que acompanhava a Maria no Hospital Pedro Hispano. O seguimento de Neuropediatria simplesmente considerava a Maria “uma molenga”. Não pretendiam “gastar dinheiro ao Estado” para estudar uma criança molenga. A luta foi dura, mas conseguimos um despiste que confirmou o diagnóstico», refere Marta, que tem encontrado forças que nem ela sabia que existiam. Ela e o marido, Renato, que tem sido o seu pilar, tal como os seus pais e os seus sogros.

Ouvir o pior dos diagnósticos não foi fácil e o processo de aceitação foi demorado. «Inicialmente passámos pelo choque, as lágrimas, o desespero, o sentimento de culpa, o afastamento enquanto relação a dois (pai vs mãe), a depressão, a revolta. É natural. Uma consulta com um médico geneticista fez um click em nós, e começámos todo o processo de aceitação, compreensão, entrega, confiança e amor.»

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Hoje é um processo de amor e aceitação, segundo nos diz aquela que também é mãe de Vicente, de nove meses. «Há pessoas que não entendem a aceitação e o otimismo da condição da Maria. Mas ela faz-nos acreditar que há sempre passos a dar em frente. E se há pegadas na Lua, o céu não é o limite.»

A gestão emocional do casal não foi fácil, mas o amor pela pequena Maria falou mais alto e Marta e Renato uniram-se pela filha. «Inicialmente a relação com o meu marido tremeu. Ele mais emocional. Eu mais de luta, com uma forma de canalizar as emoções de forma diferente. Antecipar o dia de amanhã… Saber o que é expectável… Procurar tudo sobre a doença e lutar em todas as direções, não para anulá-la, mas sim para que, mesmo nessa condição, consigamos fazer da Maria uma menina feliz! Muito feliz!»

E porquê Maria Ervilhinha? Marta explica-nos: «Porque a Maria foi muito desejada! Muito pedida à Nossa Senhora de Fátima. A última vez que pedi, tirei as sandálias no Santuário de Fátima para sentir a energia em mim e crer que iria conseguir engravidar. E consegui. Quando soube, a médica disse que via uma ervilhinha no meu útero, com três milímetros. E, a partir daí, ficou sempre ervilhinha.»

Mais de 10 mil euros em tratamentos

A Maria faz ciclos com duração de oito a nove semanas, oito horas por dia, nas vertentes de Terapia Ocupacional, Terapia da Fala, Fisioterapia e Neurofeedback. O investimento ultrapassa muitas vezes os 8.500 euros, sem alojamento/internamento. «Se a Maria ficar em regime de internamento na clínica, sobrepõem-se o valor de 2.400 euros, pelas mesmas oito semanas. Contudo, enquanto pais, tentamos arranjar alojamento nas imediações da clínica para que o descanso e rotinas da Maria não sejam prejudicados», afirma.

«O ideal será fazer dois ciclos por ano, com o mesmo espaçamento de tempo entre cada um. E com muito esforço temos conseguido. Porém, não tem sido de todo fácil. Por isso, partilhamos a história da nossa Maria a todo o momento, para que cada vez mais se juntem pessoas que queiram contribuir de alguma forma para a sua reabilitação. No final de tudo, apenas queremos que a nossa filha tenha as mesmas oportunidades que a maioria das crianças comuns têm: autonomia e alguma qualidade de vida para ser aceite e inclusiva nesta sociedade, mesmo com a sua condição.»

Assim, a luta continua e não pode parar, para que o Síndrome não permita reverter competências já trabalhadas e adquiridas pela Maria. Todas as ajudas monetárias são fundamentais. Na página O Reino da Maria, para além da história e fotos partilhadas, são muitos os artigos feitos à mão para vender. Quem comprar estará a contribuir para os tratamentos da pequena Maria Ervilhinha.

Outra das formas de contribuir passa pela recolha de tampinhas de plástico. Depois da triagem, são todas enviadas para uma encineradora. Cada tonelada resulta em cerca de 500 euros, que são automaticamente enviados da Resialentejo para a Clínica em Braga. «Neste momento, é o pai da Maria que faz esse exaustivo trabalho. Fazemos vendas solidárias. Procuramos participar em feirinhas e eventos. Fazemos rifas. E agradecemos todas as contribuições, donativos e angariações de fundos.»

«A intervenção precoce, o investimento no desenvolvimento de competências e aptidões, e a melhoria de qualidade de vida da nossa filha é algo prioritário na nossa vida. Penso que na vida de todos os pais. Sobretudo, na vida de pais de meninos com condições especiais.»

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A falta de apoio do Estado

Marta lamenta a falta de apoio do Estado e a indiferença de muitos cidadãos que nos governam perante casos como o da Maria. «Os lamentos sobre a inércia do nosso Estado face a cidadãos como os nossos filhos já nem sequer são ouvidos. A Maria apresenta um atestado multiusos, com uma incapacidade de 99,5 por cento. O Estado português atribui-lhe mensalmente uma bonificação por deficiência, no valor de 62 euros. Só.»

E como se não bastasse… «O pai da Maria foi despedido por ter uma filha como a Maria. Já não recebe qualquer apoio do Estado, mesmo tendo feito descontos durante 20 anos. Dependemos unicamente de nós e da solidariedade de um pequeno grupo de pessoas que se completa na ajuda ao próximo», lamenta esta mãe, agradecendo o carinho e o apoio de todos aqueles que têm ajudado.

«Já se juntaram a nós pessoas e grupos que nos permitiram continuar com os tratamentos até hoje, como a claque Super Dragões, membros do Porto Canal, empresários da segunda divisão de futebol e seus futebolistas. A Associação Espinho Solidário é a única associação que nos ajuda, quer em bens consumíveis (através de uma listagem de produtos de apoio para o dia-a-dia da Maria), quer em donativos (que são transferidos diretamente para a Clínica em Braga, e abate ao valor total de terapias).»

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Um pai como há poucos

Renato, ao contrário de alguns casos que já relatámos neste site, tem sido um pai exemplar para a sua família e, principalmente, para a sua menina. É de louvar o seu esforço diário, sozinho, sem horários e já com a saúde por vezes prejudicada, na triagem das tampinhas que depois vão ajudar nos tratamentos da pequena Maria.

«Ele tem sido insubstituível na luta pela filha. Os meus pais e os meus sogros também são incansáveis. O amor pelos netos vai permitindo que eu vá trabalhando com flexibilidade e o Renato vai tratando dos meninos. Quando venho tratar eu dos meninos, vai ele para o trabalho dele não remunerado: as tampas. É esta a nossa vida. Com muito sacrifício, muito mesmo, mas sem ter uma dívida», revela Marta.

Devido à doença da filha, Renato ficou desempregado e nunca mais conseguiu arranjar emprego. A luz ao fundo do túnel surgia a cada telefonema para uma nova entrevista, mas rapidamente se apagava quando falava da condição da filha. Para Marta, enquanto mulher, mãe e ser humano, é «doloroso» saber que devido à doença de Maria, discriminam desta forma as pessoas que estão aptas para trabalhar seja no que for.

«Mas não vamos desistir nem perder a esperança. Porque se foi esse o problema que o deixou desempregado, também vai ser esse o motivo que lhe vai dar novo emprego e uma grande oportunidade de voltar ao trabalho cheio de força e empenho. Tenho um homem com H grande!», remata.

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