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«Fui despedida por ter sido mãe»: A dura realidade de uma mulher que foi ignorada

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publicado há 5 anos
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Hoje deu-me para partilhar a minha história.

Estou desempregada desde maio, ainda nem a minha filha tinha um ano, depois de um processo completamente surreal em que nenhuma entidade (nem a Autoridade para as Condições do Trabalho, nem a CITE – Comissão para a Igualdade no Trabalho e na Empresa) foram capazes de me proteger, como trabalhadora lactente.

Acho que chegou o momento das mulheres unirem as suas vozes e de lutarem por melhores condições de trabalho e por um sistema que proteja efetivamente as pessoas como eu. Estou cansada de ouvir dizer que, hoje em dia, só faz sentido falar de direitos das mulheres em países como a Índia.

Em Portugal, em pleno século XXI, eu fui despedida por ter sido mãe. E não foi de uma empresa pequena. Isto passou-se numa empresa grande, e talvez por isso a própria Comissão para a Igualdade no Trabalho e na Empresa tenha praticamente ignorado os indícios de discriminação que apresentei, bem como as provas de que a empresa me substituiu por outra colaboradora… Que não estava grávida, claro.

Trabalhei vários anos no setor da indústria, num grupo empresarial de grande dimensão e ligado a pessoas da política. Como tenho receio de represálias até hoje, não vou mencionar o nome da empresa.

O corpo dirigente da empresa era constituído unicamente por homens. Havia somente uma mulher numa posição de chefia intermédia na fábrica onde eu estava. E uma pseudo-diretora de recursos humanos.

No início de 2017, após quatro anos a trabalhar nessa empresa e já fazendo parte dos quadros, descobri que estava grávida. Conforme a lei, remeti uma certificação médica do tempo de gravidez aos recursos humanos da empresa no dia 9 de março. Mal imaginava eu o que me iam fazer.

Estranha e subitamente, no dia 23 de março de 2017 (data que nunca esquecerei), fui chamada a uma reunião com um dos “diretores”. Inocentemente, levei um calendário, pois pensava que o propósito dessa reunião seria organizarmos o trabalho para que nada faltasse quando eu estivesse de licença de maternidade. Em vez disso, fui confrontada com uma “proposta” para cessar funções a 31 de março de 2017, isto é, uma semana (!) depois.

A justificação? De uma hora para a outra, tinham deixado de ter trabalho para me dar. O senhor diretor ameaçou-me: «A empresa vai fazer-lhe uma extinção do posto de trabalho, não tenha dúvidas que vai, e se não for a bem, vai a mal». E mais tarde, por telefone: «Se não a despedirmos de uma forma, arranjamos outra forma.»

Confesso que a minha reação foi de total incredulidade. Como é que era possível uma coisa destas acontecer no nosso país, em 2017??? Entrei em negação e nem sequer respondi à “proposta”. Mas parece que casos como os nossos, afinal, são comuns. Cheguei a consultar a ACT, que tratou toda a situação com a maior indiferença possível e apenas fez umas contas para saber se a indemnização que a empresa me propunha estava correta ou não. Mais uma vez, fiquei incrédula: ninguém se indignava ou sequer se surpreendia com o que me estava a ser feito. Como era possível falar em “indemnização legal” numa situação que, por si só, era totalmente ilegal? Fui eu que confrontei a ACT com os factos de estar grávida e efetiva, e da necessidade, conforme a lei indica, da empresa, no mínimo, pedir um parecer à CITE antes de me despedirem. Se eu não soubesse, nem destes pormenores a senhora do ACT me iria informar. Para a ACT, situações assim são “o prato do dia”.

Nota importante: a ACT não faz mais nada a não ser passar umas multas, na melhor das hipóteses, porque não tem poder para mais.

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A empresa, entretanto, foi-me retirando tarefas, deixou de me convocar para reuniões, deixou de me dar feedback sobre assuntos pendentes e deixou de me entregar trabalho, violando culposamente algo chamado “dever de ocupação efetiva de posto”. Por outras palavras: deixaram-me sem nada para fazer.

No meio de tudo isto, preocupada com a bebé que ia nascer e com as despesas que queria honrar, tentei lutar pelo meu posto de trabalho, e quase implorei à empresa que mantivesse o meu emprego em troca de uma redução de salário. O dito diretor nem sequer me respondeu a este pedido. Ou antes, a resposta veio de outra forma.

Um dia, sem qualquer aviso prévio, apareceu na empresa uma advogada, com a intenção de me convencer a assinar um acordo de rescisão. Desta vez, o argumento para a extinção do posto de trabalho era que a empresa ia entregar a minha função a uma empresa de outsourcing.

Surreal: duas mulheres, uma advogada e uma diretora de recursos humanos, ambas mães, a tentarem convencer outra mulher, grávida de quatro meses, a assinar um acordo de rescisão. Mas o melhor ainda estava para vir: às 13:00, a advogada da empresa disse que tinha de ir embora, pois estava de licença de amamentação e tinha de ir dar de mamar ao filho. Naquela altura, só consegui pensar na desumanidade daquele comentário.

Só consegui pensar que também gostava de poder usufruir de duas horas por dia para amamentar a menina que já morava na minha barriga. Só consegui interrogar-me como é que uma mulher que tinha tido um filho recentemente podia demonstrar tanta frieza para com outra mulher, grávida e prestes a perder o emprego.

Toda esta situação causou-me, como é evidente, enorme stress, ansiedade e desgaste psicológico que teve reflexos ao nível da própria gravidez. Em maio de 2018 fiquei de baixa por gravidez de risco. Antes disso, ainda tive tempo, em abril desse ano, de conhecer a nova diretora da minha área, que me foi falsamente apresentada como “uma auditora de qualidade”, e a quem estive a explicar em que consistia o meu trabalho, e como o fazia.

Refira-se aqui que o esvaziamento de competências de que fui alvo não correspondeu a qualquer esvaziamento funcional, falta de trabalho ou de tarefas para realizar, pois a empresa continuou a necessitar de todas as funções que me estavam atribuídas. As tarefas que até então estavam a ser por mim desempenhadas continuam a sê-lo, ainda hoje, por outras pessoas da empresa.

Em agosto desse ano, a minha única colega de departamento assinou um acordo de rescisão com a empresa. Mas nesse mês aconteceu outra coisa. Dei à luz uma menina, que nasceu com pouco mais de dois quilos. Tiveram de me provocar o parto no hospital, devido ao facto de ela ser tão pequenina. Não tenho qualquer dúvida que o facto da minha filha se ter desenvolvido tão pouco esteve diretamente relacionado com tudo o que passei na gravidez.

Mas isto eu não consigo provar, e mesmo que conseguisse, a CITE iria ignorar as provas.

Logo no início de setembro, quando a minha filha teria umas três semanas (mais ou menos uma semana depois de eu ter comunicado à empresa o nascimento) e eu me debatia para que aquela bebé minúscula ganhasse algum peso e fosse uma criança saudável (e a empresa tinha conhecimento desta situação de fragilidade), recebi um novo choque: sem qualquer respeito pelo período do pós-parto, a empresa enviou-me uma carta cujo assunto era “extinção do posto de trabalho”, novamente a tentar um acordo.

Pergunto-me o seguinte: mesmo que a empresa tivesse toda a legitimidade para extinguir o meu posto de trabalho, não podia ter feito as coisas de outra forma? Ter esperado mais algum tempo? Fazer um telefonema, falar comigo com mais tato? Para mim, isto é assédio moral.

Infelizmente, parece que para a Lei Portuguesa este facto por si só não configura um crime, nem nenhum tipo infração. Mas devia. Quem está na fragilidade de um pós-parto difícil, com uma bebé de dias, tão frágil, que se quer tão fortemente amar e proteger, só consegue interrogar-se que mal terá feito para receber semelhante tratamento. Mas a minha pequenina filha, tão frágil, é sempre quem me dá força para levantar a cabeça e ultrapassar os obstáculos. Nesta altura, porém, já me era impossível suportar ainda mais desgaste psicológico e emocional, achei que estava na altura de contratar um advogado.

Durante as conversações entre representantes legais, a empresa insistia com o meu advogado que não tinha funções para me atribuir. Embora eu quisesse manter o meu posto de trabalho, para evitar o stress de ter de regressar a um local que não me desejava, o meu advogado convenceu-me que tentar negociar um acordo seria a melhor via de resolução.

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As tentativas de negociação foram goradas e a empresa pediu um parecer à CITE para me poder despedir, alegando que, por problemas financeiros, iam contratar uma empresa de outsourcing para fazer o meu trabalho. Note-se que, durante todo este processo, a empresa nunca me facultou informação legal que comprovasse os problemas económicos alegados, nem em que medida a contratação de uma empresa de outsourcing representava uma poupança. Pelo contrário, todas as notícias que a empresa tinha lançado para a imprensa nos últimos meses indiciavam um momento muito favorável a nível económico. E a CITE teve conhecimento destas notícias, pois foram-lhes remetidas no âmbito destes processos.

Além dessas notícias, anexei ao processo várias provas em como a empresa tinha outra pessoa a fazer o meu trabalho. Os documentos que apresentei, a meu ver, deviam ser indícios suficientes para que a CITE desse um parecer desfavorável ao meu despedimento. Mas não foi isso que aconteceu.

Ainda sobre o processo de despedimento, acrescento que este se iniciou com uma carta com intenção de despedimento enviada no dia 8 de março (ironia das datas, este é o Dia Internacional da Mulher). Respondi à carta no dia 19 de março, dentro do prazo exigido pela lei, e sei que a mesma foi rececionada pela empresa no dia 20 de março. No entanto, a empresa apenas remeteu o processo à CITE no dia 9 de abril. Este pedido de parecer foi remetido fora do prazo, consoante foi comprovado pela ACT. A CITE podia ter considerado o pedido extemporâneo, tal como o fazem, por exemplo, no parecer 433/CITE/2015 que pode ser consultado no seu site. Porém, esta irregularidade passou despercebida à CITE, que declarou que, do seu ponto de vista, não havia qualquer discriminação, e a empresa podia despedir-me. Mesmo com provas que a empresa tinha contratado outra pessoa, através das suas empresas internacionais para fazer o trabalho que eu estava a fazer antes.
Mais uma vez, pergunto… Como é que isto é possível???

O motivo para o parecer da CITE favorável ao despedimento? Bastou a empresa dizer que não conhecia a funcionária que estava a fazer o meu trabalho, mas que “devia” ser colaboradora de empresa de outsourcing, e é como se esta contratação nunca tivesse existido para a CITE. Dia 7 de maio (as coincidências não param, e isto foi logo a seguir ao Dia da Mãe), o meu despedimento foi efetivado, e fui dispensada de me apresentar ao serviço.

Portanto, temos uma entidade que deve promover a igualdade de oportunidades entre homens e mulheres no trabalho, no emprego e na formação profissional, a proteção da parentalidade e a conciliação entre a atividade profissional e a vida familiar, e é assim que o faz… Permitindo o despedimento de uma trabalhadora lactente, a ser perseguida desde a gravidez.

Só me restava ir para tribunal. Ao fim de mais de um ano neste processo, não aguentei e aceitei o conselho do meu advogado: negociei uma indemnização. E estou desempregada até hoje, pois nenhuma empresa quer contratar uma mulher com uma filha pequena.

É com vergonha que admito que desisti, desgastada também por mais dois processos legais. No entanto, o meu conselho para outras mulheres na minha situação: se puderem, não façam o mesmo. Hoje, continuo desempregada, apesar de ter anos de experiência, com resultados comprovados e formação ao nível de mestrado, porque ninguém quer contratar uma trabalhadora com uma filha pequena.

A “cereja no topo do bolo” foi ter recebido, pelo LinkedIn, há poucos dias, uma mensagem de uma pessoa do mesmo grupo empresarial, que não sabia que eu já não estava na empresa, e que confirma que ESTA ORGANIZAÇÃO PRECISA, SIM, DE PESSOAS PARA FAZEREM O MEU TRABALHO.

Gostava que esta história servisse para alertar outras pessoas da nossa realidade, já que a mim não me serviu para mais nada.

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Texto escrito a 12 de novembro na página oficial de Facebook de Ana Cristina

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