Bebés/Crianças

Dia Internacional das Crianças Inocentes Vítimas de Agressão: É urgente fazer denúncias!

Filipa Rosa
publicado há 6 anos
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No Dia Internacional das Crianças Inocentes Vítimas de Agressão, que se assinala a 4 de junho, o site Crescer entrevistou Carla Ferreira, gestora técnica da Rede CARE, da Associação Portuguesa de Apoio à Vítima (APAV).

Por ano são registados, em média, 810 casos de crianças ou jovens vítimas de vários tipos de agressão (62,6 por cento do sexo feminino).

Segundo o relatório anual de 2017 da APAV, foram registados 175 crimes de abuso sexual de crianças, 12 crimes de abuso sexual de menores dependentes, 14 crimes de aliciamento de menores para fins sexuais, 14 crimes de pornografia de menores, três crimes de recurso à prostituição de menores, 15 crimes de atos sexuais com adolescentes, entre outros.

Para Carla Ferreira, é urgente chamar a atenção de todos os cidadãos para a prática de crimes, que estão muitas vezes ao nosso lado. «Se suspeitam, denunciem, peçam ajuda! Forneçam os elementos que permitam chegar à criança/jovem e identificar, minimamente, a pessoa suspeita. Por vezes, além da descrição da situação, apenas é preciso um nome, uma morada, a escola, a idade aproximada… Os apoios existem e são para serem accionados. Por vezes é a suspeita dessas pessoas que permite quebrar com uma situação de violência, às vezes que dura há vários anos. Quebrar o silêncio o mais cedo possível permite uma intervenção atempada e potencialmente diminuir o eventual dano para as vítimas», afirma-nos.

Apesar da média ser 810 crianças por ano, a gestora técnica da Rede CARE acredita que há muitas mais crianças que sofrem por agressões, quer físicas quer psicológicas em silêncio. «Com certeza que a realidade denunciada não é a realidade acontecida em qualquer crime. No caso da violência sexual, estima-se que as situações não denunciadas sejam cerca de 70 por cento. Portanto, urge promover a denúncia e a quebra do silêncio», refere, sublinhando que a denúncia pode ser feita anonimamente.

Receio de represálias atrasa denúncias

«E se eu estou a fazer esta denúncia e não é assim? A pessoa pode processar-me!», «Não tenho provas! Como é que eu vou denunciar?» ou «Esta criança é de uma família muito problemática, se sabem que fiz isto vêm atrás de mim!» são frases que os profissionais da APAV ouvem muitas vezes. Carla Ferreira faz questão de esclarecer algumas questões. «Primeiro, falamos de crianças que, muitas vezes, se não é pela existência da ação de alguém que denuncia, dificilmente vêem o ciclo de violência quebrado. Segundo, ao cidadão basta que este suspeite de que uma criança ou jovem esteja a ser vítima de crime para poder denunciar – não tem de ter provas, porque não é ao denunciante que cabe fazer a investigação. Terceiro: a denúncia pode ser feita de forma confidencial de forma a se proteger a identidade do denunciante.»

Casos que a APAV não esquece

Há inúmeros casos que ficam na memória daqueles que acompanham de perto uma dura realidade. «De facto a violência infantil não é uma temática fácil nem para os cidadãos nem para nós, como técnicos. Os técnicos têm formação específica para lidar com estas questões diariamente, mas estamos sempre sujeitos a surpresas e situações que jamais imaginaríamos. Somos seres humanos, acima de tudo. É fundamental, além da preparação prévia, a atualização constante, a supervisão regular e o espaço para a equipa ‘ventilar’. A gestão e a equipa técnica estão em constante contacto: os sucessos e insucessos são partilhados de forma regular», explica a gestora técnica da Rede CARE.

Os crimes multiplicam-se e, por isso, é urgente fazer denúncias. Muitos dos casos não podem aqui ser referidos por estarem em investigação.

No entanto, Carla Ferreira recorda três processos complicados:

  • «Uma que aconteceu uma única vez, perpetrada por um elemento externo à família, e que a criança, à data com três anos, denunciou de imediato à família. Os pais tiveram uma ação exemplar e célere. O particular deste caso foi que, curiosamente, os pais ficaram ansiosos quando o processo na CPCJ foi arquivado, porque sentiram-se a ficar sem apoio (e foi aí que vieram até nós), algo que deveria ser positivo, porque se sabia que a família era adequada e ajustada e que a criança não se encontrava em risco; por outro lado, sentiram-se tranquilos quando o processo-crime foi arquivado, porque não duvidaram da criança, mas não se conseguiu fazer prova suficiente. O apoio foi classificado pela mãe como fundamental, apesar de termos tido uma intervenção breve.»
  • «Outro caso que me recordo foi de um pedido de um Tribunal para acompanharmos um conjunto de crianças entre os oito ou nove anos e os 13 anos que eram abordadas por uma pessoa que lhes solicitava um beijo na boca em troca de dinheiro (30, 40, 50 euros), em conversas que mantinha com as crianças no Facebook.»
  • «Também me recordo de uma outra situação de uma criança abusada por um avô, dos primeiros casos que acompanhamos, em que a mãe só nos dizia querer chegar ao fim, qualquer que fosse o desfecho do processo-crime, que se viesse a saber que a criança não tinha inventado a situação, que era uma das acusações da restante família. A criança, por seu turno, integrou muito bem a situação, sendo que o seu apoio psicológico durou muito pouco tempo, tendo sido mais prolongado para a mãe.»

De todas as situações que são acompanhadas, cerca de 90 por cento das vezes o/a autor/a dos atos é uma pessoa conhecida da vítima. Destes, cerca de 50 a 60 por cento serão familiares da criança/jovem, e do grupo de familiares autores/as dos atos, a maioria dos mesmos é praticado pelo pai, mãe, padrasto ou madrasta, havendo mais destaque para as figuras do sexo masculino.

Segundo Carla Ferreira, mesmo nos casos em que a violência acontece na família mais chegada/coabitante, «o pedido de apoio pode vir não apenas desses elementos, mas também de elementos externos à família. E isto não é necessariamente porque a família está ‘distraída’ ou está a ser negligente, mas porque a criança/jovem revela a situação inicialmente a outras pessoas que, por várias razões, acreditam ser as pessoas ‘certas’ para realizar essa revelação, que é um momento fulcral.»

Os pedidos chegam de diversas formas, sendo a forma mais comum o contacto telefónico, pelo menos numa fase inicial, seguindo-se a existência de contactos presenciais ou por e-mail. Os seus objetivos também são diversos: desde dar a conhecer a situação e pedir orientações ou ações, a pedidos de apoio mais concretos, poder desabafar, entre outros.

Sobre o projeto Rede CARE

De acordo com Carla Ferreira, as situações que maioritariamente chegam à associação em que as crianças são vítimas dizem respeito à prática de violência psicológica/verbal ou ao facto de testemunharem violência em contexto familiar. Adicionalmente, com a criação do Projeto CARE dentro dos serviços proximidade da APAV, têm chegado mais pedidos de ajuda para crianças vítimas de violência sexual.

Este projeto surgiu inicialmente no fim de 2015 e um dos seus objetivos passava pela criação de uma Rede especializada de apoio a crianças e jovens vítimas de Violência Sexual, o que veio a acontecer em janeiro de 2016. Esta rede tem âmbito nacional e uma equipa disponível para se movimentar para os locais onde for solicitada a sua presença, o que a tornou uma resposta única no país, sem prejuízo do trabalho desenvolvido localmente por outras entidades ao longo do tempo.

Carla Ferreira explica como tudo funciona. «O apoio prestado pela APAV, o que não é exceção no âmbito do Projeto CARE, é feito por uma equipa multidisciplinar (destacam-se as formações na área da Psicologia, do Direito e da Criminologia). Mas a APAV não é – nem pretende ser – uma ilha, motivo pelo qual articula com diferentes entidades, de diversas áreas, e que poderão ser da saúde, como refere, ou outras entidades que trabalham com crianças, ou com Polícias, Tribunais – isto só a título de exemplo – sempre que o caso em concreto o justifique», diz, acrescentando que o apoio poderá ser continuado.

«O apoio prestado pode durar o tempo necessário, podendo estar presente desde os momentos anteriores a uma potencial denúncia formal às autoridades até o período após um potencial processo-crime chegar ao fim. Não há tempos nem prazos ideais: cada situação é ela própria, e, por isso, pode requerer um apoio mais prolongado, não só ao nível do apoio psicológico, como também no acompanhamento das questões jurídicas e sociais, por exemplo; mas podem suceder-se situações em que o apoio é mais pontual e visa, por exemplo, a obtenção de alguns esclarecimentos», esclarece.

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