Saúde

Conheça Isa, a menina que devido à Síndrome de FIRES ficou com encefalopatia epilética

Andreia Costinha de Miranda
publicado há 5 anos
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«Como é possível de um momento para o outro uma febre destruir uma criança?» Esta é a pergunta que Carla Dias faz muitas vezes. E as respostas não chegam! Conheça a impressionante história desta família.

 

«O meu sonho sempre foi ser professora de inglês. E concretizei-o. Lecionava em Santarém e a minha família estava na Lousã. Mas não me arrependo porque fui sempre muito feliz a trabalhar. Tive de abdicar do meu sonho para cuidar da minha filha. E essa, agora, é a minha prioridade».

O sonho de Carla Dias foi tornado realidade. Durante muitos anos foi professora, mas quis o destino que a vida se encaminhasse por outro lado.

Mãe de dois filhos, a única coisa que complicava a felicidade plena era a distância. A distância que por circunstâncias da vida foi quebrada. Carla teve de desistir da carreira com que sempre sonhou para tomar conta de Isa, a filha mais nova, hoje com três anos.

«Puseram-na em coma induzido»

Até aos 10 meses, Isa teve um desenvolvimento normal. Já se sentava sem ajuda desde os cinco meses, comia, dizia «mamã» e «papá» e dava gargalhadas com as brincadeiras do irmão, três anos mais velho.

Até que tudo começou a mudar. «Teve a primeira febre no dia 6 de abril de 2017, sem nenhum sintoma associado. No dia 7 a febre não cedia ao Ben-u-ron (40ºC) e fomos pela primeira vez às urgências para administração de Brufen. No dia 8 já só teve 38ºC e no dia seguinte, a 9 de abril de 2017 – o dia mais negro de toda a minha vida -, regressámos ao hospital pediátrico, não porque tinha febre, mas o seu comportamento era estranho (estava postrada, não queria comer, adormecia facilmente, não queria brincar, só queria colo). Teve a primeira crise (convulsão) ao entrar no gabinete médico de observação das urgências. A partir daí as crises foram aumentando e ela entrou em Estado de Mal Epilético», revela a mãe.

Isa esteve 52 dias internada na Unidade de Cuidados Intensivos e mais dois meses na enfermaria. Tudo foi feito para travar as crises da menina. «Puseram-na em coma induzido, doses altíssimas de anticonvulsivantes, etc… Fizeram todos os testes e análises para se chegar a uma causa, a um diagnóstico. Foi tudo negativo! Doença autoimune, metabólica, viral, bacteriana, genética… Por exclusão de partes chegaram a um diagnóstico», revela.

«Até à data não há explicação para esta síndrome»

E o diagnóstico foi uma síndrome raríssima que se caracteriza por uma febre inicial, que nos três dias seguintes as crianças entre os três e os 15 anos (média), entram em Estado Epilético de Grande Mal (crises convulsivas seguidas, sem resposta a qualquer tipo de tratamento). E o nome dessa síndrome é F.I.R.E.S. (Febrile Infection-Related Epilepsy Syndrome). «Até à data não há explicação para esta síndrome. Não está associada a nenhuma mutação genética. Acontece! Não há mesmo qualquer explicação», garante.

Carla e o marido já recorreram a especialistas nacionais e internacionais para tentar perceber melhor esta síndrome e para saber se existem mais casos como o de Isa. Já disseram a Carla que sim, que existem mais casos em Portugal, mas… os dados não revelam isso! «Contactei a Raríssimas e a única criança diagnosticada com F.I.R.E.S. é a Isa. Contactei outros médicos a nível internacional e existem cerca de 70 casos no mundo. Isto é uma incidência de uma criança num milhão. É mesmo muito raro e normalmente acontece em crianças mais velhas. A maior incidência acontece nos cinco anos», explica.

Como o caso de Isa aconteceu aos 10 meses, quando ainda não andava nem tinha tanta autonomia, «os médicos não conseguem prever o futuro» até porque no hospital diziam a Carla que a menina «não tinha qualquer hipótese e iria ficar em estado vegetativo.» «Ela esteve muito tempo em Estado Epilético de Grande Mal. Chegou a ter 70 convulsões por dia», recorda.

Para além disso, a menina foi sujeita a tratamentos muito agressivos. «Compreendo que era para bem dela, mas também foram prejudiciais. Para se ganhar uma coisa, perderam-se outras», desabafa. «A minha filha deixou de se sentar, de segurar a cabeça, de nos reconhecer, de reconhecer qualquer coisa à sua volta, deixou de deglutir… Felizmente ela ficou só com uma gastrostomia, não foi necessária traqueostomia, porque ela própria tirou o tubo de oxigénio e começou a respirar por ela», continua.

«Saí de casa com uma filha e cheguei com outra»

Quando saiu do hospital, o prognóstico dos médicos era de que Isa não iria fazer nada. «Os primeiros tempos em casa foram de negação». Segundo Carla, saiu de casa com uma criança e depois de meses internamento, chegou a casa com outra. «Os brinquedos dela estavam espalhados na sala e ela já não brincava com eles», diz emocionada.

Explicar ao filho mais velho, hoje com seis anos, que a irmã está diferente não é tarefa fácil. Mas a verdade é que «ele não tem memória do que ela fazia. Ele tinha quase quatro anos e não tinha essa noção, não se lembrava e então não sofreu. Agora é que já é diferente. Há dois anos foi quando aconteceu isto. Agora ele começa a ter noção… E agora como se apercebe que a irmã tem mais aquisições, já segura a cabeça e o tronco – felizmente o prognóstico dos médicos de que ela ia ser um vegetal não aconteceu – e ele anda angustiado porque já percebeu que uma irmã é boa para brincar e pergunta muitas vezes quando é que a mana vai brincar com ele. Ele é muito carinhoso com ela e muito preocupado», revela orgulhosa.

A ajuda de um derivado de canábis

Carla Dias quer realçar que Isa já não tem síndrome F.I.R.E.S. e explica porquê. «Ela teve uma infeção febril, porque o F.I.R.E.S. não é nenhuma doença genética que perdure. Ela teve aquela infeção febril que levou a uma epilepsia. O que ela tem agora e ficou decorrente do F.I.R.E.S. é uma encefelopatia epilética, portanto, o cérebro dela agora não funciona bem devido a todas as lesões e ela tem epilepsia e o que nos foi dito no hospital por um médico de genética foi… enquanto o cérebro tiver sempre a disparar ela não vai conseguir desenvolver-se. O cérebro não vai estar predisposto a aprender. Então eu fui à procura de soluções. Se aquela medicação não funciona, fui à procura de uma que funcionasse».

Desta feita, descobriu um derivado de canábis. «Faz agora um ano que lhe comecei a dar óleo de canabidiol… contra tudo e contra todos! Porque ninguém acreditava. E comecei a dar-lhe uma única gota por dia, por tudo o que andei a estudar. E desde a primeira toma, com uma gota apenas durante 15 dias, ela parou com as crises por completo. Não tinha qualquer médico a ajudar-me. A neuropediatra disse-me logo para não o fazer porque não iria resultar», revela. Mas a verdade é que resultou. Apesar dos medos, Carla não desistiu. «Eu tinha muito medo de lhe estar a dar algo que não lhe devesse dar e não tive qualquer acompanhamento».

E para surpresa de tudo isto, a médica que recusou administrar o canabidiol na Isa, há pouco tempo falou com Carla. «Ela veio ter comigo para me pedir informações e indicações do canabidiol. É muito curioso», diz com um sorriso. «E eu dei-lhe as indicações. Ainda bem que consigo ajudar outras pessoas».

E que melhorias tem tido a menina? «A Isa mostra alguma recuperação a nível motor, produz mais sons, desencadeia o reflexo de deglutição, quando é estimulada e já tem algum controlo cefálico e do tronco. Passou a ter o olhar mais dirigido para o som e movimento, seguindo com o olhar muito lentamente», realça.

Tratamento de Estimulação Neurológica custa milhares de euros

Isa fez o primeiro tratamento de Estimulação Neurológica Intensiva no CHS-CEI, em Braga, durante sete semanas. «Descobrimos esta clínica em Braga pelos bons resultados. Ela vai “beber” muito do conceito que existe, por exemplo, em Cuba, que é a terapia intensiva. São sete horas diárias de diversas terapias. Terapia da fala, terapia ocupacional, fisioterapia… depois tem outros métodos, como a integração de reflexos, neurofeedback… muitas terapias que são essenciais para o desenvolvimento. O que acontece nesta clínica é que fomos lá assim que ela saiu do hospital e o que nos disseram foi que a Isa ainda não estava preparada para fazer as terapias intensivas porque estava muito medicada e tinha muitas crises. Por isso é que voltámos para casa e tentámos arranjar uma solução para as crises. Voltámos lá um ano depois. Aí ela fez o intensivo que custou mais de sete mil euros», explica.

E se, na ótica de qualquer pessoa os tratamentos são muito caros, Carla faz o alerta e mostra um ponto de vista diferente. «Parece muito dinheiro, mas… faça as contas! Eu pago numa clínica privada, em Coimbra, para ela ter terapias diárias, 35 euros por hora. Se multiplicarmos 35 por sete horas diárias, e tudo isto vezes cinco dias, dá mil 200 e tal euros. A clínica privada fica em mil euros por semana, portanto os sete mil euros do primeiro tratamento intensivo, não foi um valor descabido», realça.

E o que Isa ganha com estas terapias em Braga? «A terapia é intensiva, mas eles respeitam muito os horários da criança, e ela veio com ganhos substanciais. Ela veio com uma postura corporal completamente diferente, ela tem um controlo da cervical e do tronco superior muito diferente. A nível visual ela segue o que tem à frente, tem muito mais perceção de que estamos a falar para ela, emite muitos mais sons… A nível de deglutição melhorou substancialmente, faz deglutições consistentes. Melhorou num todo em três meses, do que não melhorou num ano», avança.

A pequena Isa fez o segundo tratamento em Braga, em março, abril e maio deste ano e os resultados continuam a ser muito positivos.

O valor deste tratamento ficou em cerca de 12 mil euros, excluindo o alojamento.

A revolta com o Serviço Nacional de Saúde

Carla mostra-se revoltada com o Serviço Nacional de Saúde (SNS). «Não consegue dar resposta», começa por dizer. E explica porquê! «Para já, não tem este tipo de terapia intensiva que estas crianças precisam, porque a Isa está numa fase de desenvolvimento crucial. O cérebro está-se a desenvolver a uma velocidade estonteante e nós precisamos de a estimular ao máximo agora, não é daqui a 10 anos. É agora que lhe temos de dar o máximo para melhorar a sua qualidade de vida.  E o que é que o SNS, no caso da Isa e de outros meninos, oferece? Tenho três vezes fisioterapia por semana de uma hora. É isto que nos dão».

E a revolta não se fica por aqui. «Só porque estivemos em Braga a fazer um tratamento, perdemos a vaga e estamos novamente em lista de espera para a Isa fazer as terapias. Perdemos o direito. Parece que agora a minha filha já não precisa. Fui reclamar! E também reclamei que a terapeuta da fala da Isa foi de licença de maternidade e não foi colocado ninguém no lugar dela. O que é que acontece?  A Isa veio agora de um tratamento intensivo e não pode parar de ter as terapias. Pelo menos ela deveria continuar a ter as que já tinha. Se formos de férias, se a Isa estiver internada ou se estiver doente, a vaga continua lá, mas porque a minha filha foi fazer um tratamento intensivo e esteve ausente durante um ou dois meses, perdeu o direito à vaga. É muito curioso isto, não é?», diz revoltada.

Um livro que tem ajudado muitas pessoas

Como já foi referido, Carla teve de abdicar da carreira profissional. neste momento está de «baixa de assistência por filho de doença crónica» e o que ganha é «muito pouco». «Nem 65 por cento do ordenado eu recebo. E com todas as terapias, imagina que é impossível para nós. Se não fossem as pessoas a ajudar-nos com tampinhas, a nível monetário e a darem-nos alojamento em Braga, seria muito mais difícil ainda. Só a saúde da Isa, por mês, são mais de 600 euros», desvenda.

E depois de toda esta nova etapa da vida desta família, Carla escreveu um livro. «Quando cheguei a casa, estava desesperada. Achei que a minha filha ia ficar vegetal porque ela não se mexia. Achei que os médicos tinham razão. Até que acordei para a vida, comecei a dar-lhe terapias e ela começou a ter melhorias. Aí vi que os médicos podiam não ter razão. A partir daí fui escrevendo. Era como catarse. Era pôr sofrimento no papel», diz.

Assim nasceu “Uma Mãe de FIRES”, que está à venda no site Lusodidacta.pt, com o código de desconto “Isa10”, portes grátis, pagamento por multibanco (13,83 euros). Também disponível nas Lojas FNAC e Bertrand e na WOOK. Os direitos de autor pela venda do livro revertem a favor da Isa.

Existe também uma página de Facebook chamada Uma Mãe de FIRES, através da qual se pode encomendar o livro. Receberá a obra com uma dedicatória por parte da autora, Carla Dias e com a impressão digital da Isa.

«As pessoas dizem que o meu livro lhes deu muita esperança. Se calhar a minha missão era esta: ajudar as outras pessoas com a minha luta e a minha esperança», finaliza Carla que criou a página de Facebook, Isa – Cada Sorriso uma Conquista, onde conta o dia-a-dia da filha.

Para ajudar a pagar os tratamentos intensivos da Isa, Carla pediu ajuda na recolha de tampinhas. O valor conseguido é entregue diretamente na clínica CHS-CEI.

Os pontos de recolha são:

Tampinhas – Na Lousã, junto ao armazém dos Carvalhos por trás da GNR; Jardim da casa ao lado da Farmácia Borges, em Semide (Miranda do Corvo), Bombas da Galp do Coimbra Shopping e na Escola Profissional do Ribatejo, em Santarém.

Para além destes pontos, existe também uma conta solidária com o seguinte IBAN:  PT50 0010 0000 5666 2270 0018 3

Saiba ainda outras formas de ajudar esta família, através da página de Facebook.

Fotos: Gentilmente cedidas por Isa - Cada Sorriso Uma Conquista

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