A circuncisão é o procedimento que consiste na remoção da «pele do prepúcio» que envolve a glande do pénis. É um procedimento invasivo (doloroso) mas geralmente simples e com poucos riscos. O pediatra Sérgio Jesus Neves, da CLISA – Lusíadas, explica em que consiste este procedimento.
Ancestralmente a circuncisão estava associada à religião (Judaica e muçulmana), mas o procedimento tem vindo a ter cada vez menos expressão em particular na Europa. Contudo a preocupação dos pais com a «pilinha» é frequente nas consultas de pediatria. Terá o tamanho e forma normais? Mas não tem pele «a mais»? Quando é que se «puxa a pele no banho»?
A prática da circuncisão não está recomendada por rotina, quer pelas associações europeias de pediatria quer pela associação americana de pediatria. Apontam-se alguns benefícios como a melhoria da higiene, a redução («pouco significativa») das infeções sexualmente transmissíveis, a redução da inflamação crónica da glande (balanopostite), redução do risco de cancro do pénis (também pouco expressiva), e dos episódios de infeção urinária.
Contudo a diferença entre circuncisados e não circuncisados do ponto de vista de ganhos de saúde não é muito expressiva. Existem também riscos de complicações da cirurgia como hemorragia, infeção, edema, estenose do meato e insatisfação estética (nos adolescentes e adultos), mas sobretudo por ser uma intervenção cirúrgica com dor e desconforto no pós- operatório, leva muitos pais (e adolescentes) a quererem evitar uma cirurgia.
Quais as contra indicações
Existem algumas contra indicações ao procedimento como realização em prematuros até estabilidade clínica, discrasias hemorrágicas, alterações congénitas do pénis (hipospádias/ epispádias, micropénis e edema pénis), mas na globalidade a maioria das crianças pode ser elegível à cirurgia.
Atualmente, em Portugal não se recomenda a circuncisão universal em crianças e adolescentes. As eventuais indicações para circuncisão são: fimose significativa (sem resposta a terapêutica tópica com corticoides), balanopostite recorrente, infeções do trato urinário recorrentes e sem outra justificação aparente ou a balanite xerótica obliterante.
A questão da fimose (aperto do prepúcio que impede a retração total ou parcial) é particularmente importante e foco de preocupação dos pais (quando se começa a fazer a retração do prepúcio? terá de ser operado?). Questões também muito centradas na satisfação sexual futura, capacidade reprodutiva e «normalidade» do género masculino («ser como o pai», «não querer ser gozado pelos colegas nos balneários», «questões religiosas»).
As várias etapas
A fimose é fisiológica no 1.º ano de vida e tendencialmente vai-se resolvendo até à idade pré- escolar (três-cinco anos), estando apenas presente em cerca de um por cento no final da adolescência. Neste período de desenvolvimento a higiene deve ser constante com a retração «suave» do prepúcio no banho, mas sem a retração do prepúcio «à força», pelo risco de desencadear fissuras e cicatrizes posteriores que levam a uma agravamento da fimose.
Ocasionalmente desenvolvem-se pequenas áreas de aderência do prepúcio à glande (aderências balano-prepuciais) que maioritariamente se resolvem com a higiene, e por vezes complementando com aplicação de corticoides tópicos por um-dois meses.
Não existe uma idade consensual para a realização de circuncisão por fimose fisiológica mas a Direção Geral de Saúde(DGS) recomenda a referenciação a partir dos cinco anos para eventual cirurgia e início da terapêutica com corticoides tópicos a partir dos três anos.
Nas situações de fimose severa, com dificuldade de urinar («fazer balão»), no adolescente com dor nas ereções/masturbação a opção cirúrgica terá também de ser equacionada. No caso do adolescente existe ainda a questão do freio curto que pode também associar-se a dor/ desconforto no ato sexual e resolver-se na altura da circuncisão.
Resumindo, não existem indicações médicas absolutas para a realização de circuncisão por rotina. A fimose é uma situação frequente, maioritariamente de resolução espontânea, considerando-se a sua correção cirúrgica após falência de terapêutica farmacológica (em geral após os cinco anos).
Texto: Dr. Sérgio Jesus Neves, pediatra na CLISA – Lusíadas