A formação escolar é essencial, mas será que estamos a dar tempo suficiente às crianças para aquilo que é o mais importante, brincar?
Terminou o ano escolar e finalmente as crianças podem desempenhar a mais importante atividade para o seu crescimento: brincar.
E brincar não é enchê-las de atividades extracurriculares, termo atual que, muitas vezes, é apenas a desculpa perfeita dos pais com cada vez menos disponibilidade e condições para estarem com os filhos.
De facto, nos dias de hoje, há uma sobrecarga de tarefas e responsabilidades infantis, além das da escola, cursos de línguas, desportos, artes, música, entre outras de uma lista sem fim à vista, que podem ser contraproducentes.
Por um lado, estas ocupações favorecem o desenvolvimento infantil, mas em excesso provocam a exaustão e retiram o tempo destinado à principal tarefa infantil, brincar: a forma de comunicação infantil primordial.
Quando brinca, a criança reproduz o seu quotidiano através de atividades lúdicas enquanto aprende e vai construindo a reflexão, a autonomia e a criatividade, fatores fundamentais para o desenvolvimento do ser humano nos aspetos físico, social, cultural, afetivo, emocional e cognitivo.
O tempo de chão
Não é por acaso que brincar é uma das ferramentas usadas pela pedopsiquiatria em crianças problemáticas. Pedro Caldeira da Silva explica a importância da atividade lúdica. Para o chefe de equipa da Unidade da Primeira Infância (UPI) do Hospital Dona Estefânia, brincar também é um boa ferramenta de trabalho clínico porque «fornecemos experiências» à criança. «Nós, aqui na UPI, utilizamos a experiência, o tratamento floortime [tempo de chão], modelo desenvolvido nos Estados Unidos nos anos 90 do século passado, que trouxemos para cá» e que consiste, tão simplesmente, em diagnosticar e promover o desenvolvimento através da brincadeira.
As atividades lúdicas são uma necessidade humana em qualquer idade, mas principalmente na infância. É neste momento precoce da vida que a ludicidade deve ser vivenciada tanto quanto possível, não apenas como diversão, mas com objetivo de desenvolver as potencialidades da criança.
Pais, educadores e sociedade em geral devem por isso estar conscientes da importância de a criança vivenciar a ludicidade: brincar é aprender com prazer as regras constituídas por si e pelo grupo e simultaneamente ajuda na integração do indivíduo no mundo que o cerca. Assim, ao brincar, a criança está a aprender a resolver conflitos, a adquirir conhecimento e a desenvolver as capacidades de compreender pontos de vista diferentes, de se fazer entender e de demonstrar a sua opinião em relação aos outros.
Incentivar e não obrigar
Perceber e incentivar a capacidade criativa das crianças é de grande importância, sublinha António Nabais. Enfermeiro professor na Escola Superior de Enfermagem de Lisboa e coordenador da Pedopsiquiatria do Hospital Dona Estefânia, alerta para a importância de irmos ao encontro dos interesses das crianças, não as contrariando, e isto é válido tanto para atividades lúdicas quanto para as escolares.
«Por vezes, pode haver áreas, interesses, competências muito mais desenvolvidos do que outras e cai-se na tentação de não estimular estas situações e apostar-se onde há maior défice», isto é: enchê-las de atividades para colmatar essas «falhas»… Isto não é necessariamente um mal. O mal é insistir-se de mais nisto, menosprezando aquilo que apetece à criança, que lhe dá prazer e em que ela é realmente boa.
«Onde há maior défice deve tentar chegar-se até a um nível regular funcional, ao qual chamaríamos normal (embora a gente não goste de utilizar a palavra normal)», elucida António Nabais. «Ou seja, deve conseguir desenvolver-se ao ponto de deixar de causar incapacidade» sem insistir demasiado, para não «massacrar» a criança.
Por outro lado, deve «estimular-se aquilo em que ela é boa, para que seja realmente muito boa, porque é o que a motiva, lhe dá prazer, que a faz continuar a desenvolver-se, a investir e a estar com prazer e com vontade na vida.»
Escola nas férias: a dose certa
No período de férias, «as crianças não devem, naturalmente, abandonar por completo as atividades curriculares», considera Sofia Martins. A professora primária encontra no «meio termo, no equilíbrio, a forma correta» de abordar a questão.
«Pode ser contraproducente carregar os alunos com trabalhos de casa, mas quando o período de férias é longo, é conveniente as crianças manterem contactos mais ou menos regulares com o estudo» até de forma «indireta, por exemplo leitura ou jogos didáticos, de acordo com a idade e os interesses individuais.»
A dose certa «é uma questão de bom senso», diz a professora, que não condena nem aplaude a dependência cada vez maior das crianças pela informática, que «hoje é incontornável.»
Adverte, no entanto, para «a vigilância parental e a adequação dos conteúdos – os jogos, por exemplo – para cada faixa etária». Já não se brinca como antigamente e Sofia Martins aceita as alterações a este nível e, indo ao encontro do que António Nabais aconselha, a professora primária defende é que, «seja qual for a atividade ao ar livre, o importante é a criança tirar prazer dela.»
O bom exemplo finlandês
Na Finlândia, onde o sistema educacional é dos melhores do ranking mundial, o aumento do tempo livre (o tal «tempo de chão» destinado a brincadeiras) foi um dos fatores para a melhoria do desempenho escolar infantil.
Cargas horárias educacionais excessivas levam a baixa produtividade escolar e à consequente desmotivação dos alunos para o ensino.
Texto: Luís Martins | WiN