Educação

Aprovação da lei que proíbe publicidade de produtos a menores é «um passo importante»

Redação
publicado há 5 anos
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Patrícia Silveira, professora do IADE – Faculdade de Design, Tecnologia e Comunicação da Universidade Europeia, aplaude a aprovação da nova lei que proíbe publicidade de produtos a menores de 16 anos com o objetivo de tentar combater a obesidade.

O diploma, que foi promulgado pelo Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, em meados de abril, introduz restrições à publicidade dirigida a menores de 16 anos e vão ser fiscalizadas pela Direcção Geral do Consumidor.

A publicidade daqueles géneros alimentícios e bebidas passa a ser proibida nos estabelecimentos do pré-escolar, do básico e do secundário, nos parques infantis, assim como num raio de 100 metros das escolas e parques infantis.

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Site Crescer: Antes de mais, o que acha da aprovação desta lei?

Patrícia Silveira: A aprovação desta lei constitui-se como um passo importante no contexto da prevenção de problemáticas associadas à saúde dos mais jovens, das quais a obesidade infantil se revela como uma das mais preocupantes. Sabe-se que uma alimentação deficiente e os maus hábitos de vida estão associados ao desenvolvimento de problemas de saúde crónicos e que o Marketing e a Publicidade Infantil têm um impacto acentuado nas decisões de compra das famílias e, como consequência, nos produtos consumidos pelas crianças e pelos jovens. A aprovação desta lei, criada à semelhança do que já é uma realidade noutros países Europeus (como o Reino Unido e a Irlanda), pode ter resultados ao nível da prevenção e do alcance de um retorno positivo para a saúde dos consumidores mais jovens e, a longo prazo, da população em geral. No entanto, ainda que parte do caminho possa fazer-se por via da legitimação de instrumentos legais, estes poderiam ser conjugados com um conjunto de ações de foro cívico-educativo que contribuíssem para uma melhor consciência alimentar e a aquisição de bons hábitos e comportamentos de vida.

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Pensa que, efetivamente, este tipo de publicidade pode influenciar as crianças, de forma a que os pais não consigam evitar comprar aqueles produtos aos filhos?

A publicidade e o marketing infantil estão muito presentes no quotidiano das crianças e dos jovens, chegando até eles, muitas vezes, de forma agressiva. Sabe-se, inclusivamente, que atualmente os mais pequenos exercem um papel decisivo enquanto agentes de influência com grande peso nas decisões de compra das famílias. E se assim é, é natural que a indústria do setor desenvolva esforços no sentido de estar presente nos meios que habitam o dia-a-dia deste segmento. Veja-se o caso da Internet: “mascarando” a publicidade convencional, cada vez mais o Youtube é visto como o paraíso da promoção de produtos dirigidos à infância, rendendo milhões aos protagonistas dos conteúdos e às marcas publicitadas por estes. Os perfis e os formatos são muito variados, mas têm em comum a criação de interesse e de vontade em adquirir produtos, por parte de consumidores altamente suscetíveis e influenciáveis. Por outro lado, os níveis de literacia para a publicidade e a educação alimentar são ainda deficitários, colocando o público geral em posição de vulnerabilidade na altura de avaliar os prós e os contras do consumo de certo tipo de produtos.

Na sua opinião, até aos dias de hoje, quais as principais falhas deste tipo de publicidade?

A publicidade dirigida à infância não é novidade. Desde os anos 50 que ela está presente no quotidiano dos públicos mais jovens. Em meados dos anos 80, com a democratização no acesso à televisão pelas famílias e com a expansão da publicidade, a indústria do setor viu neste meio uma importante forma de chegar aos mais pequenos, promovendo as marcas de forma declarada, ostensiva e despreocupada, com o propósito de convencer os consumidores a adquirir os produtos.

Atualmente, o alcance da publicidade dirigida à infância encontrou novas formas, é mais abrangente e está mais presente e, com isso, as pessoas estão mais atentas e tornam-se potencialmente mais críticas, auxiliadas também por novos movimentos políticos que chamam a atenção para estas problemáticas. Um dos principais problemas associados à promoção deste tipo de produtos – menos saudáveis – destinados ao consumo alimentar, prende-se com a incidência e a prevalência do excesso de peso e da obesidade infantil. A evidência científica dá conta, por exemplo, da associação entre o consumo de determinado género de alimentos, como as bebidas açucaradas, e o risco de desenvolvimento de doenças cancerígenas. E se um dos fundamentos da publicidade é, a par de outros, o seu caráter informativo, no que concerne à promoção deste tipo de produtos essa função está muito aquém do pretendido, camuflando-se, na maioria das vezes, esses efeitos prejudiciais com embalagens e anúncios apelativos que colocam em segundo plano os riscos. Ora, esta normalização na forma de se fazer publicidade, combinada com a promoção agressiva, poderão constituir-se como fatores geradores de desconfiança que em nada favorecem este setor.

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Existiria alguma forma de controlar esse consumo que não através desta lei?

A taxação de certo tipo de produtos e a existência de legislação proibitiva da promoção destes, em determinados locais, podem revelar-se, por si só, ineficientes para a produção de efeitos reais na saúde dos mais novos, devendo ser combinadas com o desenvolvimento de políticas sociais promotoras de estratégias de foro cívico e educativo, com incidência nos contextos e agentes com relevância para o quotidiano e a formação das crianças, nomeadamente a família e a escola.

Ainda que o Marketing e a Publicidade dirigidos à infância, e em canais alternativos (como o Youtube), estejam em expansão e muito presentes nas decisões de compra das famílias, os pais devem assumir o papel de protagonistas, resistindo a adquirir produtos – a maioria promovida de forma agressiva – que terão um impacto negativo na saúde dos filhos e, em simultâneo, consciencializando os mais novos para a importância da aquisição de hábitos de vida saudáveis, contrariando o sedentarismo e a má alimentação, e servindo eles mesmos como exemplo dessas boas práticas.

A escola, constituindo-se como o contexto onde os mais pequenos passam grande parte do seu dia, poderá assumir também um papel ativo, proporcionando não só uma alimentação mais saudável e equilibrada, mas auxiliando o desenvolvimento da educação alimentar e apostando na literacia para a publicidade. Poderão ser eficazes, por exemplo, para ajudar a esclarecer e a desmistificar algumas questões relacionadas com a ingestão de produtos naturais, já que estes podem também relevar-se prejudiciais pelos níveis de açúcar (ainda que não adicionado) que apresentam, contornando-se, assim, desordens alimentares.

Como é que o mundo da publicidade, a partir de agora, vai contornar esta situação?

Com a implementação desta nova legislação, a publicidade e o marketing infantil terão que encontrar formas alternativas que lhes permitam chegar aos consumidores mais jovens, optando, talvez, pela via da informação – até para trabalhar um posicionamento mais positivo ao nível das perceções do público geral – , conjugando-a com o caráter lúdico que tão bem caracterizam este tipo de conteúdos, mas resistindo à venda agressiva. Claro que a lei é ainda recente e imprevisível na avaliação do impacto que trará para a indústria do setor, mas terá que haver uma necessária readaptação do mercado e das suas formas de promoção.

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