Recentemente ouvi uma frase que me fez parar para pensar: «A maternidade é ‘neurotizante’…» (capaz de provocar desespero)
Vejo-me forçada a concordar… Nós, mães, estamos sempre às voltas com aquele sentimento inquietante, omnipresente, invasivo, acusador e que nos ronda de forma ostensiva: a famosa culpa. Essa palavrinha aparecerá muitas vezes neste texto…
De facto, por mais tranquila e talvez equilibrada que uma mãe possa ser (o que não é meu caso…), é inescapável admitir que, qualquer situação que envolve os nossos filhos, estamos atentas e prontas para assumir a culpa! Sim, nós literalmente “vestimos” a culpa, e ela torna-se uma peça-chave no guarda-roupa que “veste” a nossa alma.
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Quantas e quantas vezes não ouvimos a frase: «A tua mãe não te deu educação?» ou «a tua mãe não te ensinou isso?».
Por todo e qualquer ângulo que olhemos, a culpa sempre é da mãe…
No outro dia saímos todos para comer um lanche, depois de uma manhã movimentada. Ao sentarmo-nos na mesa da pastelaria, a minha pequena, então com dois aninhos, reclamou: «Mãe, estou com fome!».
Nesse preciso momento, lembrei-me que não tinha dado almoço à minha filha e já estávamos a meio da tarde. Os remorsos assaltaram-me como uma avalanche e eu senti-me a pior mãe do planeta. «Desculpa, meu amor!», disse aflita, e quase invadi a cozinha do restaurante à procura de qualquer alimento que saciasse a fome da minha filha, e oferecesse conforto ao meu coração atormentado.
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Se pararmos para pensar, certamente identificaremos várias situações quotidianas em que o nosso senso de auto-punição mostra as garras: «Filho, se não beberes o sumo, não poderás brincar». A criança alega que o sumo está com o gosto estranho, mas achamos que é desculpa. Quando resolvemos experimentar o líquido inacabado no copo, percebemos que a fruta estava azeda! Nós mesmas não beberíamos aquele sumo!
Mas o pior mesmo é quando lemos mais tarde as mensagens do grupo de mães da Escola do nosso filho e percebemos que naquele dia todas as crianças poderiam frequentar as aulas mascaradas, mas nós, simplesmente… nos esquecemos! Na nossa cabeça, como num filme, passa a imagem do nosso filho deslocado, no meio de vários super-heróis, fadas e princesas.
Talvez este texto não tivesse fim, tantas são as situações que descaradamente apontam os dedos acusadores a uma mãe: um ser mortal, de carne e osso, que tem a obrigação de não errar. Nunca.
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O facto é que nós seremos sempre culpadas. Mesmo que a culpa não seja nossa. Sim, é um paradoxo, mas é algo cultural, afinal “mãe é mãe”…
Talvez a origem disso tudo resida no cordão umbilical imaginário que nos une às nossas crias para sempre. Os nossos filhos crescerão, serão adultos, serão pais, mães, maridos, esposas, e nós iremos sempre encontrar um jeito de pensar que, a cada erro deles, tem um pouco da nossa velha culpa embutida.
Eles são, afinal, a soma de todos os nossos erros e de todos os nossos acertos.
Texto: Marcella Bisetto, mãe, advogada e escritora apaixonada
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